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O estranho descobre-se na estranha

por Mahmoud Darwich

 

Somos dois convertidos num só.

Não temos nome, estranha mulher,

quando o estranho se descobre na estranha.

O que resta do jardim atrás de nós é o poder da sombra.

Mostra o que te aprouver da terra da tua noite, e esconde o que te aprouver.

Vimos apressadamente do ocaso simultâneo de dois lugares.

Juntos procurámos as nossas moradas.

Segue a tua sombra, a leste do Cântico dos Cânticos,

reunindo cortiçóis em bando.

Descobrirás uma estrela que reside na própria morte.

Escala uma montanha deserta,

descobrirás o movimento circular que une o meu ontem ao meu amanhã.

Descobrirás onde estávamos e onde, juntos, estaremos.

Somos dois convertidos num só, estranho homem.

Vai para o mar a oeste do teu livro, e mergulha com a leveza

de quem é levado por duas ondas à nascença,

descobrirás um aglomerado de algas e um verde céu de água.

Mergulha com a leveza de quem é nada em nada.

E descobrir-nos-ás juntos.

 

Imagem: Egon Schiele

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Terça 27 de Agosto

de Christian Bobin

 

Nada, além da chuva – mas a chuva, não é “nada”, afasta o céu como se empurra um móvel para fazer limpezas, ela canta ao limpar as janelas, os rostos e os pensamentos, prepara a vinda de alguém que chegará logo a seguir, alguém que gosta do que brilha e cheira a novo – uma fada ou o Menino Jesus.

 

Imagem:  Andrei Tarkovski

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Dulce Maria Loynaz

Falou a nuvem e disse:

– Sou e não sou. Estou e já deixei de estar. Nada é menos que eu, que não sou nada.

Falou a estrela e disse:

– Tão-pouco eu sou eu. Levo uma morte de milhões de anos quando os sábios me dão nomes belos.

Falou o sonho e disse:

– Eu estou para lá da morte, pois não nasci ainda. E embora por nascer possa ficar, sou já mais forte que a vida.

Então o homem que escutava sentou-se em lágrimas desoladas. Tudo quanto havia julgado seu não existia; o seu reino era um reino de fantasmas; o seu coração, um coração sem eco.

E, não obstante, ele pudera viver e morrer dia após dia, por coisas que não morriam nem viviam.

 

Imagem: Paulo Nozolino

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À excepção do corpo

por Mary Oliver

 

À excepção do corpo

de alguém que amas,

incluindo todas as suas expressões

em privado e em público,

 

as árvores, penso ,

são as mais belas

formas sobre a Terra.

 

Ainda que, admitamos,

se isto fosse um concurso,

as árvores acabariam num

muitíssimo distante segundo lugar.

 

Imagem: Alfred Stieglitz

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La petite promenade du poète

de Dino Campana

 

Ando pelas estradas

Obscuras estreitas e misteriosas:

Vejo através das vidraças

Mostrarem-se Gemnas e Rosas.

Há quem desça tacteando

As escadas misteriosas:

Por detrás das vidraças reluzentes

Estão as comadres a coscuvilhar.

…………………………………………………………..

A estradinha é solitária:

Nem um cão: são escassas as estrelas

Na noite sobre os telhados:

E a noite parece-me bela.

E caminho, um pobre coitado

Na noite fantasiosa,

Ainda que na boca sinta

A saliva desgostosa. Ando pela pestilência

Ando pela pestilência e pelas ruas

E ando e continuo a andar,

Até onde as casas começam a escassear.

Encontro a relva: ali me estendo

Enroscado como um cão:

À distância um bêbado

canta os seus amores às persianas.

 

Imagem: Paul Klee