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Manhã de Verão

Por Mary Oliver

Coração,
eu imploro-te,
está na hora de regressar
da escuridão,

é manhã,
os montes estão rosados
e as rosas
o que quer que tenham sentido

no vale da noite
abrem agora
os seus vestidos suaves,
as suas folhas

brilham.
Porque estás moroso?
Certamente já viste isto
mil vezes,

o que está longe de ser suficiente.
Deixa o mundo
levar a melhor sobre ti,
iluminado como é
com mistério
e dor –
agraciado como é
com o banal.

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O mundo em que vivo

por Mary Oliver

 

Recusei-me a viver

trancada na casa organizada das

provas e razões.

O mundo em que vivo e acredito

é mais amplo do que isso. E afinal,

o que há de errado com Talvez?

 

Não acreditarias no que uma ou

duas vezes eu vi. Digo-te

apenas isto:

só se houver anjos na tua cabeça

poderás, possivelmente, ver um.

 

 Imagem: Mary Oliver, por Rachel Giese Brown

 

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À excepção do corpo

por Mary Oliver

 

À excepção do corpo

de alguém que amas,

incluindo todas as suas expressões

em privado e em público,

 

as árvores, penso ,

são as mais belas

formas sobre a Terra.

 

Ainda que, admitamos,

se isto fosse um concurso,

as árvores acabariam num

muitíssimo distante segundo lugar.

 

Imagem: Alfred Stieglitz

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Do Amor

de Mary Oliver

Estive apaixonada por mais duma vez,
graças a Deus. Umas vezes foi duradouro,
quer fosse correspondido ou não. Outras
não foi mais do que efémero, porventura durou apenas
uma tarde, mas nem por isso foi menos real.
Perduram na minha mente, estas pessoas belas,
ou em todo caso belas para mim, das quais
há tantas. Tu, e tu, e tu,
que eu tive a sorte de conhecer, ou talvez
tenha deixado escapar. Amor, amor, amor, era o
centro da minha vida, e daí, claro, provém
a palavra para coração. Oh, e já mencionei
que algumas delas eram homens e algumas mulheres,
e algumas — agora carrega a minha revelação contigo —
eram árvores? Ou lugares. Ou música que voava sobre
os nomes dos seus criadores. Ou nuvens, ou o Sol
que foi o primeiro, e o melhor, sem dúvida
o mais leal, que me olhava tão fielmente nos
olhos, todas as manhãs. Por isso imagino
tamanho amor do mundo — o seu fervor, o seu brilho, a sua
inocência e avidez de dar de si mesmo — imagino
que foi assim que começou.

Imagem: Mary Oliver (nascida em 1935, à direita) com Molly Malone Cook (1925–2005) na casa do casal em Provincetown, Massachusetts

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Cotovia

Cotovia, de Mary Oliver

 

Alguém viu a cotovia?

Ando à procura há provavelmente

quarenta anos

 

sem sucesso.

 

Costumava viver no campo

que atravessei muitas manhãs

em direcção ao bosque ,

baldando-me de novo à escola.

 

Não havia cotovias na escola.

Isso era razão suficiente para eu

não querer estar lá.

 

Mas agora é mais sério.

Não há campo, nem os bosques sobreviveram.

 

Então, onde está a cotovia?

Se alguém a vir, por favor, poderia avisar-me

sem demora?

 

Imagem: Mary Oliver, fotografada pela sua companheira, Molly Malone Cook. “Ajudar o viajante, 1965”