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Sono

de Gennady Aygi

 

Consideremos alguém que não há muito nos desagradasse, que porventura até criasse em nós sentimentos negativos, consideremos essa pessoa enquanto dorme.

Por alguma razão, sentiremos pena dela. Pena das suas mangas que estão à vista, das suas mãos. Pena das suas roupas, por alguma razão. (Desperto, a sua roupa lembra uma armadura “mundana”, “institucional”, “familiar”.)

Ele é todo confiança em Algo, em Algum. E naturalmente em Alguém que é incomensuravelmente maior do que nós, que o observamos.

Mas mesmo então, há também a confiança em nós.

 

Imagem: fotografia de Alfred Stiegltiz

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SONO-E-POESIA (notas)

SONO-E-POESIA (notas), Gennady Aygi

(10)

 

Acordar é, pela milésima vez, “nascer de novo”.

E, no entanto, de onde nos virá aquele arrependimento por alguma coisa que nos traz cada despertar? Porventura choramos inconscientemente a “materialidade” da vida, que foi consumida, sem nos darmos conta, durante a noite – e pela milésima vez – na fogueira escura e muda do Sono?

 

Imagem: Igor Vulokh (pintor e amigo de Gennady Aygi, que inclusivamente criou ilustrações especificamente para trabalhos poéticos seus )

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Manuel Alberto Vieira

Atraiçoaria a verdade se aqui colocasse uma lista definitiva e fiável do que ando a ler, pois sou refém de uma indisciplina que, por defeito, não consigo contrariar. Porém, na arrumação possível do caos, sublinho o que mais me tem estimulado. À cabeça, um daqueles adiamentos imperdoáveis: iniciei finalmente a leitura da Odisseia, de Homero (na tradução de Frederico Lourenço). Tendemos a esquecer aqueles que nos trouxeram até aqui, mas por vezes convém travar a marcha e impor o regresso ao princípio, sob pena de perdermos a humildade necessária ao entendimento do tempo. Para as leituras debicadas que precedem o sono, acumulo neste momento o Ensaios sobre Fotografia, de Susan Sontag, o Juro Não Dizer Nunca a Verdade, de Javier Marías, e o omnipresente Cartas a Lucílio, de Séneca (esse livro-casa). A que acrescentaria as leituras mais obedientes de Os Sete Loucos, do singularíssimo Roberto Arlt, e A Casa das Belas Adormecidas, de Yasunari Kawabata. Mas talvez o autor que mais me tem impressionado seja o Daniel Jonas. Um acaso improvável, dada a distância que nos separa na geografia literária, todavia justamente sublinhado. É um caso raro de génio. Acabo de lhe revisitar vários poemas e, a cada livro, o regresso dessa estranha certeza de interrupção de uma qualquer ordem fundamental. A sua música desafia a noção canónica; creio que a recusa, na verdade — segue paralelamente a ela, na margem. É uma espécie de voz futura que nos chega do passado (ou de voz passada que nos chega do futuro) e que, por conseguinte, nunca se deixa apanhar (e muito menos fixar). Transfigura o moderno, colocando-o num certo sentido mais à frente — num tempo a que vagamente aspiramos — através da forma que veste o ritmo e domestica a tentação de fazer tese. Ousar o paradoxo de colocar à cintura deste admirável mundo novo um espartilho à medida da mais austera tradição sem nunca perder o fôlego parece-me uma proeza assinalável.

(Fotografia de Manuel Alberto Vieira – Carlos Lobo)

 

Teatro Vertical

Na Presença da Ausência

Odisseia de Homero

Juro Não Dizer Nunca a Verdade

Os Sete Loucos

A Casa das Belas Adormecidas

Canícula

Oblívio

Bisonte


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Mundial 2018 – A selecção da Flâneur

Faz dois anos, a Flâneur apresentava a sua primeira convocatória para o Campeonato Europeu, que logo venceu! Agora queremos o Mundial e para atingir tal desiderato (abusarei da linguagem futebolística), reunimos aqueles que de momento nos dão mais garantias de vitória, no plano físico e táctico. Mescla de juventude e experiência, notem que baixamos em 50 anos a média de idade da selecção (123 a anterior), ei-los, os nossos campeões.
 
1 – Heterónimos de Fernando Pessoa, porque baliza preenchida é baliza bem defendida.
 
2 e 3 – Na defesa, entregues às alas, temos Luiz Pacheco e Ângelo de Lima.
 
4 e 5 – No centro da defesa temos Diogo Vaz Pinto, bom jogo de cabeça e forte na marcação individual é também exímio nos lançamentos com e em profundidade. A bola não lhe sai morta dos pés. Ao seu lado está Miguel Torga, o mais internacional futebolista português, jogador duro mas leal, sabe bem os terrenos que pisa.
 
No meio campo apresentamos uma dinâmica linha de 4, basculante, que se desdobra em losango no momento ofensivo (pressing alto) e triângulo no momento defensivo.
 
6 – À direita está Elisabete Marques, jovem talento da academia, rápida, veloz, lesta, nada lenta, antes pelo contrário. Futebolista de sangue frio, é quem assume todas as bolas paradas. De fino recorte técnico, é a rainha das assistências.
 
7 – Andreia C. Faria é quem joga pela esquerda, um pouco acima do lugar onde melhor joga na selecção, no entanto, jogadora polivalente, pode também fazer o lado direito e até os flancos. Repentista e perfeita no drible em progressão, é a chamada falsa lenta. Inteligente a ocupar o espaço vazio e no jogo entre linhas, tem perfume a nossa craque.
 
8 – No miolo, a sagacidade e a visão de jogo de Manuel António Pina. É o cérebro da equipa, quem pauta todo o ritmo de jogo.
 
9 – Gonçalo M. Tavares, o menino que veio do bairro para os relvados. Forte nas segundas bolas e a rodar sobre si mesmo, é o génio dos passes de ruptura.
 
10 e 11 – O ataque é formado por Daniel Jonas, 1 metro e 97 de golo, nada tosco e com caracóis. Ao seu lado, forte a jogar de costas para a baliza e a provocar o desgaste dos defesas contrários, temos Rosa Alice Branco, também de caracóis. A fazer lembrar as nossas lendas (Cadete, Paulo Futre, Chalana, entre outros), esta possante dupla avançada sabe que ao futebolista não lhe basta ser, tem de parecer, e por isso , não descura nunca o visual na hora de festejar.
 
O Mister, o nosso “special one”, é Pedro Eiras. Com um trajecto vitorioso em todos os escalões de formação e um profundo conhecimento das principais academias do mundo, rapidamente se afirmou como líder da nossa selecção, revolucionando toda a metodologia do treino e do jogo. Rigoroso e disciplinador, gosta de jogar bonito. Privilegia a nota artística mas não vai em cantatas, a não ser as BWV, claro.