Publicado em

Manhã de Verão

Por Mary Oliver

Coração,
eu imploro-te,
está na hora de regressar
da escuridão,

é manhã,
os montes estão rosados
e as rosas
o que quer que tenham sentido

no vale da noite
abrem agora
os seus vestidos suaves,
as suas folhas

brilham.
Porque estás moroso?
Certamente já viste isto
mil vezes,

o que está longe de ser suficiente.
Deixa o mundo
levar a melhor sobre ti,
iluminado como é
com mistério
e dor –
agraciado como é
com o banal.

Publicado em

Sequência descendente

por Denise Levertov

 

O que eu pensava ser um rio

era afinal o céu.

O que eu pensava ser margem, ilha,

rochas, névoa fluvial,

revelou-se nuvem, sombra,

buracos abertos na tela do céu.

Mesmo a mais funda sombra

perto do horizonte

revelou não ser terra,

e mais baixo ainda estava

o verdadeiro horizonte.

No próprio alicerce do mundo

oblongo,

escuridão mais funda, uma árvore de redonda copa,

um poste telefónico, a aguçada

cordilheira de um telhado, chaminé, duas águas:

silhuetas num céu

diversamente branco, não a ilusória

brancura do rio – e tudo

muito pequeno sob a enorme

vista acima. Pequeno,

como se tivesse medo.

 

Imagem: Joseph Mallord William Turner

Publicado em

O pó da terra

por Robert Lax

 

O pó do dia pousa no ar,

Grãos na luz,

Pó da marcha da multidão,

Pó da passada dos elefantes,

Pó intocado até à chegada do circo,

Pousa como um véu!

Pó da terra

atravessando o crepúsculo,

num movimento silencioso

Cada esfera

Cada molécula

Atravessando o ar,

Pudesse

No crepúsculo revelador

Voltar-se para a terra

Para os planetas,

Sustentar a verdura da criação

 

(…)

 

Imagem: Vilhelm Hammershøi

Publicado em

O mundo em que vivo

por Mary Oliver

 

Recusei-me a viver

trancada na casa organizada das

provas e razões.

O mundo em que vivo e acredito

é mais amplo do que isso. E afinal,

o que há de errado com Talvez?

 

Não acreditarias no que uma ou

duas vezes eu vi. Digo-te

apenas isto:

só se houver anjos na tua cabeça

poderás, possivelmente, ver um.

 

 Imagem: Mary Oliver, por Rachel Giese Brown

 

Publicado em

O Livro das questões

por Edmond Jabès

«Estamos ligados aos seres e às coisas por laços tão frágeis que muitas vezes se quebram sem sequer darmos conta.»

 

«Um sopro, um olhar, um sinal e até, às vezes, a confidência de uma sombra; aqui está, em esboço, a primeira natureza dos nossos laços.»

 

«Se os nossos laços são eternos, é porque são divinos.»

 

«Procuras libertar-te pela escrita. Que engano! Cada vocábulo é um véu que se levanta sobre um novo laço.»

Reb Léca.

 

«Digo o teu nome. Tu eras. »

Reb Vita.

 

Imagem: James McNeill Whistler