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Felicidade

Felicidade, por Carl Sandburg

 

Pedi aos professores que ensinam o sentido da vida que me

dissessem o que é a felicidade.

E consultei executivos famosos que mandam no trabalho de

milhares de homens.

Todos abanaram a cabeça e esboçaram um sorriso como se eu

estivesse a tentar meter-me com eles

Até que  numa tarde de domingo fui dar um passeio à beira do

rio Desplaines

E vi um grupo de húngaros debaixo das árvores  com as

mulheres e filhos e um barril de cerveja e um acordeão.

 

Imagem: Jonas Mekas

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Escadaria Antiga

Escadaria antiga, por Denise Levertov

 

Passos como água escavavam

as amplas curvas de pedra

século a século

subindo, descendo.

Quem pode dizer

se o último a trepar a escadaria

em viagem

descendente ou ascendente

está?

 

 

“Um degrau de escada que não foi desgastado a fundo é, do seu próprio ponto de vista, apenas uma tábua de madeira montada no vazio”.

(Franz Kafka, os aforismos de Zurau)

Imagem: Etel Adnan

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Cotovia

Cotovia, de Mary Oliver

 

Alguém viu a cotovia?

Ando à procura há provavelmente

quarenta anos

 

sem sucesso.

 

Costumava viver no campo

que atravessei muitas manhãs

em direcção ao bosque ,

baldando-me de novo à escola.

 

Não havia cotovias na escola.

Isso era razão suficiente para eu

não querer estar lá.

 

Mas agora é mais sério.

Não há campo, nem os bosques sobreviveram.

 

Então, onde está a cotovia?

Se alguém a vir, por favor, poderia avisar-me

sem demora?

 

Imagem: Mary Oliver, fotografada pela sua companheira, Molly Malone Cook. “Ajudar o viajante, 1965”

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Mural, Mahmoud Darwich

Mural, escrito por Mahmoud Darwich em 2000, e publicado em Portugal pela primeira vez pela editora Flâneur este ano, é um poema lírico e épico, uma meditação apaixonada sobre toda a sua vida e o seu próprio confronto com a mortalidade.
Assimilando séculos de poesia árabe e aplicando a sensibilidade moderna à riqueza do seu passado literário, Darwich submeteu a sua arte à experiência do exílio e à sua própria exigência de que a obra se mantivesse fiel a si mesma, independentemente da crítica ou da aceitação pública.
Talvez nenhum poeta no nosso tempo tenha suportado este peso: ser a voz estimada e venerada de um povo, mantendo-se fiel à própria poesia, por mais hermética e interior que fosse; e ser ao mesmo tempo culturalmente múltiplo e espiritualmente singular.
Darwich é a voz da diáspora palestiniana e a voz da alma fragmentada.
O longo poema Mural é um poema central na sua obra. Em 1999, após sobreviver a uma operação ao coração, Darwish entendeu que Mural seria a sua última oportunidade de escrita. O poema é uma canção de louvor que afirma a vida e humanidade não só dos palestinianos marginalizados, mas também do indivíduo nesta terra, e do próprio Mahmoud Darwich.

Quero viver. Tenho trabalho a fazer nesta geografia vulcânica.
Dos tempos de Ló ao apocalipse de Hiroxima,
a devastação nunca foi outra coisa que não devastação.
Quero viver aqui como se em mim
ardesse sempre a ânsia do desconhecido.
Talvez o «agora» esteja muito mais distante. Talvez o «amanhã»
esteja mais próximo e o «amanhã» se encontre já no passado.
Todavia agarro a mão do «agora» para percorrer a margem da História
e não o tempo que descreve círculos como o caos das cabras‑montesas.
Sobreviverei eu à velocidade electrónica do amanhã?
Sobreviverei eu ao atraso da minha caravana do deserto?
Tenho trabalho a fazer pelo além‑mundo, como se amanhã não fosse vivo.
Tenho trabalho a fazer pela presença eterna do hoje.
Por isso ouço, pouco a pouco, a formiga no meu coração:
Ajuda‑me a suportar a minha tenacidade.

Poemas