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O Prazer de Vaguear

[…] cheguei à conclusão de que aquele que não encontra todo o universo encerrado nas ruas da sua cidade, não encontrará uma rua original em nenhuma outra cidade do mundo. E não a encontrará porque o cego em Buenos Aires é cego em Madrid ou em Calcutá…
Recordo-me perfeitamente de que os manuais escolares pintavam os senhores ou os jovens cavaleiros que perambulavam pelas ruas como futuros perdulários, mas eu aprendi que a escola mais útil para o conhecimento é a escola da rua, escola amarga, que deixa na boca o sabor de um prazer agridoce e que ensina tudo aquilo que os livros nunca dirão. Porque, desgraçadamente, os livros são escritos por poetas ou idiotas.
No entanto, passará ainda muito tempo antes que as pessoas se dêem conta da utilidade de uns banhos de multidão e de rua. Mas no dia em que aprendam isso, serão mais sábias, mais perfeitas e, sobretudo, mais indulgentes. Sim, indulgentes. Porque já pensei mais do que uma vez que a magnífica indulgência que fez de Jesus eterno, resultou da sua permanente vida na rua. E da sua comunhão com os homens bons e maus, e com as mulheres honestas e também com as que não o eram.

Roberto Arlt, in Águas-Fortes Portenhas

Águas-Fortes Portenhas

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Manuel Alberto Vieira

Atraiçoaria a verdade se aqui colocasse uma lista definitiva e fiável do que ando a ler, pois sou refém de uma indisciplina que, por defeito, não consigo contrariar. Porém, na arrumação possível do caos, sublinho o que mais me tem estimulado. À cabeça, um daqueles adiamentos imperdoáveis: iniciei finalmente a leitura da Odisseia, de Homero (na tradução de Frederico Lourenço). Tendemos a esquecer aqueles que nos trouxeram até aqui, mas por vezes convém travar a marcha e impor o regresso ao princípio, sob pena de perdermos a humildade necessária ao entendimento do tempo. Para as leituras debicadas que precedem o sono, acumulo neste momento o Ensaios sobre Fotografia, de Susan Sontag, o Juro Não Dizer Nunca a Verdade, de Javier Marías, e o omnipresente Cartas a Lucílio, de Séneca (esse livro-casa). A que acrescentaria as leituras mais obedientes de Os Sete Loucos, do singularíssimo Roberto Arlt, e A Casa das Belas Adormecidas, de Yasunari Kawabata. Mas talvez o autor que mais me tem impressionado seja o Daniel Jonas. Um acaso improvável, dada a distância que nos separa na geografia literária, todavia justamente sublinhado. É um caso raro de génio. Acabo de lhe revisitar vários poemas e, a cada livro, o regresso dessa estranha certeza de interrupção de uma qualquer ordem fundamental. A sua música desafia a noção canónica; creio que a recusa, na verdade — segue paralelamente a ela, na margem. É uma espécie de voz futura que nos chega do passado (ou de voz passada que nos chega do futuro) e que, por conseguinte, nunca se deixa apanhar (e muito menos fixar). Transfigura o moderno, colocando-o num certo sentido mais à frente — num tempo a que vagamente aspiramos — através da forma que veste o ritmo e domestica a tentação de fazer tese. Ousar o paradoxo de colocar à cintura deste admirável mundo novo um espartilho à medida da mais austera tradição sem nunca perder o fôlego parece-me uma proeza assinalável.

(Fotografia de Manuel Alberto Vieira – Carlos Lobo)

 

Teatro Vertical

Na Presença da Ausência

Odisseia de Homero

Juro Não Dizer Nunca a Verdade

Os Sete Loucos

A Casa das Belas Adormecidas

Canícula

Oblívio

Bisonte


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