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A palavra pássaro

[…] – Creio – disse certa vez – que a pétala de uma flor, ou uma minhoca encontrada no caminho, diz e contém muito mais do que todos os livros de todas as bibliotecas. Com letras e palavras não se consegue dizer nada. Às vezes, ponho-me a desenhar uma letra grega qualquer, um teta ou um ómega, e, ao virar um pouco a pena, a letra parece torcer a cauda e transforma-se num peixe, e por um segundo faz lembrar todos os ribeiros e os caudais do mundo, tudo quanto é fresco e húmido, o oceano de Homero e as águas sobre as quais São Pedro caminhou; ou então a palavra torna-se um pássaro, levanta a cauda, eriça as penas, empola, solta um estridor, esvoaça. Bem, Narciso, tu não ligas muito a essas palavras, não é? Mas digo-te uma coisa: foi com elas que Deus escreveu o mundo. […]

Narciso e Goldmund, de Hermann Hesse

 

Pintura: Spätsommer , 1977, de Jan Peter Tripp

 

Narciso e Goldmund

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Pedro Tanqueiro e o “melhor romance que ninguém leu”

“Ando sempre acompanhado de um livro. Por vezes mais que um. Este que ando a ler foi-me recomendado por uma pessoa que me é muito especial. Obrigado, o livro é muito bom. Leio em vários sítios, este é apenas um dos habituais. Conforto e silêncio num recanto da minha casa.”

Stoner

Romance publicado em 1965, caído no esquecimento. Tal como o seu autor, John Williams – também ele um obscuro professor americano, de uma obscura universidade.
Passados quase 50 anos, o mesmo amor à literatura que movia a personagem principal levou a que uma escritora, Anna Gavalda, traduzisse o livro perdido. Outras edições se seguiram, em vários países da Europa. E em 2013, quando os leitores da livraria britânica Waterstones foram chamados a eleger o melhor livro do ano, escolheram uma relíquia.
Julian Barnes, Ian McEwan, Bret Easton Ellis, entre muitos outros escritores, juntaram-se ao coro e resgataram a obra, repetindo por outras palavras a síntese do jornalista Bryan Appleyard: “É o melhor romance que ninguém leu”. Porque é que um romance tão emocionalmente exigente renasce das cinzas e se torna num espontâneo sucesso comercial nas mais diferentes latitudes? A resposta está no livro. Na era da hiper comunicação, Stoner devolve-nos o sentido de intimidade, deixa-nos a sós com aquele homem tristonho, de vida apagada. Fechamos a porta, partilhamos com ele a devoção à literatura, revemo-nos nos seus fracassos; sabendo que todo o desapontamento e solidão são relativos – se tivermos um livro a que nos agarrar.

Stoner é um livro que nos surpreende pela simplicidade da sua história, dos seus personagens dos seus locais. Tudo neste livro já foi visto, já foi lido, tudo é comum. No entanto, também tudo é descrito com uma sensibilidade e lucidez imponente, que nos agarra até à última palavra.”