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Marisa Catita lê O Olho e o Espírito

 

“É um livro sobre o olhar, o ver, o inexplicável. Quando olhamos para uma coisa há o nosso olhar e todo o caminho que vai do nosso olho até ao objecto e o que é verdadeiro não é o objecto em si, mas a visão que temos dele.”

«Quando vejo, através da espessura da água, o quadriculado do fundo da piscina, eu não o vejo apesar da água, dos reflexos, vejo-o, justamente, através deles, por eles. Se não existissem estas distorções, estas listas de sol, se eu visse, sem esta carne, a geometria do quadriculado, aí, sim, deixaria de o ver, tal como é, onde é, a saber: mais distante do que qualquer lugar idêntico. Sobre a própria água, a potência aquosa, o elemento xaroposo e reverberante, não posso dizer que ela esteja no espaço: não está noutro lugar, mas não está na piscina. Ela habita-a, materializa-se aí, ela não está aí contida, e, se eu levantar os olhos para a cortina dos ciprestes, onde brinca o feixe dos reflexos, não posso negar que a água também a visita, ou, pelo menos, que lhe envia a sua essência, activa e viva.»

Marisa Catita está a ler o livro O Olho e Espírito de Merleau-Ponty, editado pela Vega.

Pode comprar o livro aqui: https://www.flaneur.pt/produto/o-olho-e-o-espirito/

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Ana Cravino lê A Ilha de Caribou de David Vann

A Ilha de Caribou passa-se no Alasca e conta-nos a história de uma família e de algumas pessoas que com ela se cruzam.
David Vann faz-nos um excelente relato sobre as relações humanas, caracterizando com grande mestria, a nível psicológico, as principais personagens: Irene, Gary, Rhonda, Mark e Jim.
O inverno aproxima-se rapidamente, de forma prematura, e com grande violência, precipitando a evolução dos acontecimentos.
Irene e Gary vêem-se perante uma situação quase limite nas suas vidas, o que coloca grandes dificuldades na sua relação. A tensão é enorme e crescente, tal como é crescente a intensidade do Inverno e das tempestades que se avizinham.
Rhonda, filha do casal, tenta ajudar os pais mas a sua vida atravessa, também, um momento complicado.
As emoções desenvolvem-se em crescendo com a evolução da história e com a brusca mudança de estação, o estado do tempo como um elemento indicador do que se irá passar e quase condicionante dos acontecimentos, das relações entre as pessoas e dos sentimentos.

Ana Cravino a ler A Ilha de Caribou de David Vann na Flâneur.
O livro pode ser comprado aqui: http://www.flaneur.pt/produto/a-ilha-de-caribou/

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Pedro Tanqueiro e o “melhor romance que ninguém leu”

“Ando sempre acompanhado de um livro. Por vezes mais que um. Este que ando a ler foi-me recomendado por uma pessoa que me é muito especial. Obrigado, o livro é muito bom. Leio em vários sítios, este é apenas um dos habituais. Conforto e silêncio num recanto da minha casa.”

Stoner

Romance publicado em 1965, caído no esquecimento. Tal como o seu autor, John Williams – também ele um obscuro professor americano, de uma obscura universidade.
Passados quase 50 anos, o mesmo amor à literatura que movia a personagem principal levou a que uma escritora, Anna Gavalda, traduzisse o livro perdido. Outras edições se seguiram, em vários países da Europa. E em 2013, quando os leitores da livraria britânica Waterstones foram chamados a eleger o melhor livro do ano, escolheram uma relíquia.
Julian Barnes, Ian McEwan, Bret Easton Ellis, entre muitos outros escritores, juntaram-se ao coro e resgataram a obra, repetindo por outras palavras a síntese do jornalista Bryan Appleyard: “É o melhor romance que ninguém leu”. Porque é que um romance tão emocionalmente exigente renasce das cinzas e se torna num espontâneo sucesso comercial nas mais diferentes latitudes? A resposta está no livro. Na era da hiper comunicação, Stoner devolve-nos o sentido de intimidade, deixa-nos a sós com aquele homem tristonho, de vida apagada. Fechamos a porta, partilhamos com ele a devoção à literatura, revemo-nos nos seus fracassos; sabendo que todo o desapontamento e solidão são relativos – se tivermos um livro a que nos agarrar.

Stoner é um livro que nos surpreende pela simplicidade da sua história, dos seus personagens dos seus locais. Tudo neste livro já foi visto, já foi lido, tudo é comum. No entanto, também tudo é descrito com uma sensibilidade e lucidez imponente, que nos agarra até à última palavra.”

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A literatura portuguesa na história de Inês Viseu

“Desde pequena que estou rodeada de livros de língua portuguesa – a minha mãe preferia-os às traduções, muitas vezes mal feitas, de livros estrangeiros. Assim, fui crescendo a ler autores portugueses, sem grande método ou valorização, somente por gosto de juntar palavras baixinho e criar histórias imaginárias. Continuar a ler A literatura portuguesa na história de Inês Viseu

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A bagagem da viajante Edite Amorim

“A Viajante é um romance fervilhante da escritora cubana Karla Suárez. As suas muitas páginas levam-nos por dentro do diário de bordo de Circe, uma viajante à procura da «sua cidade». Respira fundo quando chega a uma novo poiso: São Paulo, Madrid, Paris, Roma, Naxos ..e ouve o que essa respiração lhe diz. Inquieta nos passos, mas segura nos encontros que se permite, no devorar de cada experiência. A leitura deste livro é, em si mesma, uma viagem a esses passos pelo mundo. O mundo sentido como uma casa inteira e a escrita como a forma de o ancorar num universo pessoal.”

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Edite Amorim, psicóloga, viajante, comunicadora, criativa. Podem conhecê-la melhor aqui: http://www.thinking-big.com/

Local da fotografia: Lisboa, entre viagens.

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João Sousa Dias e todos os versos de Álvaro de Campos

“Este livro tem uma grande importância na minha vida, não só enquanto obra, mas também enquanto objecto. Acompanha-me a mim e ao meu pai desde 1993. Recordo-me de o termos encontrado e comprado na Casa do Livro, que hoje já não existe, pelo menos enquanto livraria. Perguntei ao meu pai quem era o autor deste livro e ele respondeu-me que era Álvaro de Campos. «Mas a fotografia da capa é do Fernando Pessoa!», respondi-lhe. Foi nesse momento que descobri o que era um heterónimo e que Pessoa tinha vários. Ao longo destes vinte e dois anos tenho conhecido cada um deles. Álvaro de Campos e Bernardo Soares são os que mais gosto de ler. Sinto que este livro tem uma leitura infinita. Leio-o e relei-o e parece-me sempre a primeira vez, como se fosse um livro transmutável, que se transforma ao longo da vida, da sua ou talvez da minha. Naturalmente que há poemas que nos transmitem sempre melancolia e angústia como o “Aniversário”, mas há outros que vão ganhando diferentes tons, diferentes ritmos, diferentes sentimentos, diferentes musicalidades.

Há dias o meu pai ofereceu-me o livro. A edição que comprámos juntos em 1993, naquela tarde em que descobri o que era um heterónimo. É parte da nossa história.”

DSCF3536João Sousa Dias, advogado e leitor, quase desde sempre.
Local da fotografia: Espiga, um espaço maravilhoso para ler, para se estar ou “ficar muito quietinho a ser” (Pina)

 

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Inês e a Educação Europeia

A Educação Europeia de Romain Gary conta a história de um jovem adolescente lituano polaco de 14 anos, Janek Twardowski, que vive refugiado na floresta e se junta a um grupo partisan para sobreviver e lutar contra a ocupação nazi.

E, na hora das trevas, de que educação europeia fala Gary? «A Europa teve sempre as melhores e mais belas universidades (…), elas foram o berço da civilização (…) mas há também uma outra educação europeia, a que recebemos hoje: os pelotões de execução, a escravatura, a tortura, a violação – a destruição de tudo o que torna a vida bela.», diz o chefe partisan Dobranski, um verdadeiro humanista num livro e num mundo onde quase ou deixamos mesmo de acreditar nessa humanidade. Que insustentável leveza esta…

Partilho convosco estas passagens do livro:

“A Stalingrad, les hommes se battent pour qu’il n’y ait plus de guerre”. Mais déjà elle savait que ce n’était pas vrai, que les hommes se battent jamais pour une idée, mais simplement contre d’autres hommes, que la forcé du soldat n’est pas l’indignation, mais l’indifférence, et que les vestiges des civilisations sont et seront toujours des ruines…”

“Le patriotisme, c’est l’amour des siens. Le nationalisme, c’est la haine des autres. Les Russes, les Américains, tout ça… Il y a une grande fraternité que se prépare dans le monde, les Allemands nous auront valu au moins ça…”

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Inês Dias Gomes mora em Genebra, onde esta fotografia foi tirada, e trabalha no gabinete de publicações da Organização Internacional do Trabalho.

(A Inês leu a versão original editada pela Gallimard. Em Portugal a Educação Europeia é editada pela Sextante)

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A Camila no mundo da Sofia

“Comecei a ler este livro recentemente mas já me fez pensar em diversos assuntos gerais, assuntos cruciais para o pensamento: Haverá vida depois da morte? Como se formou o mundo? Entre outros…. Mas além de me fazer pensar, o livro desenvolve estes temas, mas esclarece que cada pessoa tem de encontrar as suas respostas, pois não há uma verdade absoluta ou uma enciclopédia pela qual nos possamos seguir. Basicamente tenho adorado estes parágrafos de reflexão.”

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Camila Miroma, 16 anos.

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Pedro Silva nas Cidades Invisíveis

Encontrámos o Pedro, a poucos dias de partir em viagem para os Balcãs, a ler As Cidades Invisíveis de Italo Calvino numa praça do Porto, cidade visível mas cheia de lugares e de coisas invisíveis, que só se se alcançam usando todos os sentidos e o coração.

“Nem sempre fui assim. Na verdade, por muitos anos acantonava-me ao meu canto e não queria descobrir nada de novo. Refugiava-me no Torga e dizia que a partir do “local” podia conhecer o universo. Depois mudei radicalmente e este livro do Italo Calvino, que é de um género fantástico, ilumina muito do que hoje gosto de antecipar que vou conhecer quando viajo. No fundo é isso que mais me encanta no livro, imaginar que aquelas cidades são reais e que posso conhecer, por exemplo nos Balcãs, cidades assim.”

O Pedro abriu o livro e mostrou-nos estas frases que agora partilhamos convosco:

“Os lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu, descobrindo o muito que não teve nem terá”.

“A cidade é redundante: repete-se para que haja qualquer coisa que se fixa na mente”, escreveu Calvino sobre a cidade de Zirma.

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Pedro Silva, advogado, viajante, leitor.

Local da fotografia: Praça Carlos Alberto, Porto