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Sequência descendente

por Denise Levertov

 

O que eu pensava ser um rio

era afinal o céu.

O que eu pensava ser margem, ilha,

rochas, névoa fluvial,

revelou-se nuvem, sombra,

buracos abertos na tela do céu.

Mesmo a mais funda sombra

perto do horizonte

revelou não ser terra,

e mais baixo ainda estava

o verdadeiro horizonte.

No próprio alicerce do mundo

oblongo,

escuridão mais funda, uma árvore de redonda copa,

um poste telefónico, a aguçada

cordilheira de um telhado, chaminé, duas águas:

silhuetas num céu

diversamente branco, não a ilusória

brancura do rio – e tudo

muito pequeno sob a enorme

vista acima. Pequeno,

como se tivesse medo.

 

Imagem: Joseph Mallord William Turner

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Uma única vez

de Denise Levertov

Tudo aquilo que, porque tinha sido
chama e canto e outorgada
alegria, pensámos fazer, ser, revisitar,
revela ter sido o que fora
nessa única vez; não se abriu
a cada iniciação
uma série, um crescendo: o maravilhoso
aconteceu nas nossas vidas, as nossas histórias
não são pardas dessa ausência: mas não
esperem agora voltar. O que mais
houver será
único como essas coisas únicas. Tentem
aceitar a próxima
cancão em seu corpóreo halo de chamas tão inteiramente
presente, como agora ou nunca.

Imagem: Denise Levertov, fotógrafo desconhecido

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Escadaria Antiga

Escadaria antiga, por Denise Levertov

 

Passos como água escavavam

as amplas curvas de pedra

século a século

subindo, descendo.

Quem pode dizer

se o último a trepar a escadaria

em viagem

descendente ou ascendente

está?

 

 

“Um degrau de escada que não foi desgastado a fundo é, do seu próprio ponto de vista, apenas uma tábua de madeira montada no vazio”.

(Franz Kafka, os aforismos de Zurau)

Imagem: Etel Adnan

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A gravidade planta-se no rosto, no ventre.

A gravidade planta-se
no rosto, no ventre.
É o abandono de Deus.
Por isso na montra
os manequins são livres,
fazem uma ideia oca
inversa
vertiginosa de Deus.
Choro-lhes no ombro até que me comova
a forma humana, as coisas a que pede servidão.
Choro na infância o terror frio
da lua, o leite fervido,
a velha náusea que se forma à superfície.
Tudo me lembra a rósea ferida,
a amálgama dos ossos
cujo brilho a noite, a queda, um som
quebrado expõem.
Tudo
lembra o deslace,
Deus e carne
em feia luta.
Que o corpo, em seu afinco,
é um degrau difícil de descer.
Andreia C. Faria, in Alegria Para o Fim do Mundo
https://www.flaneur.pt/produto/alegria-para-o-fim-do-mundo/
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Mundial 2018 – A selecção da Flâneur

Faz dois anos, a Flâneur apresentava a sua primeira convocatória para o Campeonato Europeu, que logo venceu! Agora queremos o Mundial e para atingir tal desiderato (abusarei da linguagem futebolística), reunimos aqueles que de momento nos dão mais garantias de vitória, no plano físico e táctico. Mescla de juventude e experiência, notem que baixamos em 50 anos a média de idade da selecção (123 a anterior), ei-los, os nossos campeões.
 
1 – Heterónimos de Fernando Pessoa, porque baliza preenchida é baliza bem defendida.
 
2 e 3 – Na defesa, entregues às alas, temos Luiz Pacheco e Ângelo de Lima.
 
4 e 5 – No centro da defesa temos Diogo Vaz Pinto, bom jogo de cabeça e forte na marcação individual é também exímio nos lançamentos com e em profundidade. A bola não lhe sai morta dos pés. Ao seu lado está Miguel Torga, o mais internacional futebolista português, jogador duro mas leal, sabe bem os terrenos que pisa.
 
No meio campo apresentamos uma dinâmica linha de 4, basculante, que se desdobra em losango no momento ofensivo (pressing alto) e triângulo no momento defensivo.
 
6 – À direita está Elisabete Marques, jovem talento da academia, rápida, veloz, lesta, nada lenta, antes pelo contrário. Futebolista de sangue frio, é quem assume todas as bolas paradas. De fino recorte técnico, é a rainha das assistências.
 
7 – Andreia C. Faria é quem joga pela esquerda, um pouco acima do lugar onde melhor joga na selecção, no entanto, jogadora polivalente, pode também fazer o lado direito e até os flancos. Repentista e perfeita no drible em progressão, é a chamada falsa lenta. Inteligente a ocupar o espaço vazio e no jogo entre linhas, tem perfume a nossa craque.
 
8 – No miolo, a sagacidade e a visão de jogo de Manuel António Pina. É o cérebro da equipa, quem pauta todo o ritmo de jogo.
 
9 – Gonçalo M. Tavares, o menino que veio do bairro para os relvados. Forte nas segundas bolas e a rodar sobre si mesmo, é o génio dos passes de ruptura.
 
10 e 11 – O ataque é formado por Daniel Jonas, 1 metro e 97 de golo, nada tosco e com caracóis. Ao seu lado, forte a jogar de costas para a baliza e a provocar o desgaste dos defesas contrários, temos Rosa Alice Branco, também de caracóis. A fazer lembrar as nossas lendas (Cadete, Paulo Futre, Chalana, entre outros), esta possante dupla avançada sabe que ao futebolista não lhe basta ser, tem de parecer, e por isso , não descura nunca o visual na hora de festejar.
 
O Mister, o nosso “special one”, é Pedro Eiras. Com um trajecto vitorioso em todos os escalões de formação e um profundo conhecimento das principais academias do mundo, rapidamente se afirmou como líder da nossa selecção, revolucionando toda a metodologia do treino e do jogo. Rigoroso e disciplinador, gosta de jogar bonito. Privilegia a nota artística mas não vai em cantatas, a não ser as BWV, claro.