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Apresentação do livro “Cartas Reencontradas de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro” de Pedro Eiras

Apresentação do livro "Cartas Reencontradas de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro" de Pedro Eiras
Apresentação do livro “Cartas Reencontradas de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro” de Pedro Eiras

 

Apresentação do livro "Cartas Reencontradas de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro" de Pedro Eiras
Apresentação do livro “Cartas Reencontradas de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro” de Pedro Eiras

 

Apresentação do livro "Cartas Reencontradas de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro" de Pedro Eiras
Apresentação do livro “Cartas Reencontradas de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro” de Pedro Eiras

 

Apresentação do livro "Cartas Reencontradas de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro" de Pedro Eiras
Apresentação do livro “Cartas Reencontradas de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro” de Pedro Eiras

 

Apresentação do livro "Cartas Reencontradas de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro" de Pedro Eiras
Apresentação do livro “Cartas Reencontradas de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro” de Pedro Eiras

 

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Apresentação do livro “Cartas Reencontradas de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro” de Pedro Eiras
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Apresentação do livro “Fotografia e Beleza” de Renato Roque

Apresentação do livro "Beleza e Fotografia" de Renato Roque
Apresentação do livro “Fotografia e Beleza” de Renato Roque Fotografia: Jorge Velhote
Apresentação do livro "Beleza e Fotografia" de Renato Roque
Apresentação do livro “Fotografia e Beleza” de Renato Roque Fotografia: Jorge Velhote
Apresentação do livro "Beleza e Fotografia" de Renato Roque
Apresentação do livro “Fotografia e Beleza” de Renato Roque Fotografia: Jorge Velhote
Apresentação do livro "Beleza e Fotografia" de Renato Roque
Apresentação do livro “Fotografia e Beleza” de Renato Roque Fotografia: Jorge Velhote
Apresentação do livro "Beleza e Fotografia" de Renato Roque
Apresentação do livro “Fotografia e Beleza” de Renato Roque Fotografia: Jorge Velhote
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Billy Collins

Poeta americano, Billy Collins nasceu em Manhattan em 1941 e cresceu em Queens. Professor, consultor e mentor de várias revistas, promotor de workshops de poesia, foi laureado, entre 2001 e 2003, como Joseph Brodsky ou Stanley Kunitz; escreveria aliás, em 2002, um magnífico poema, incluído nesta antologia, Os Nomes, homenagem às vítimas dos ataques do 11 de Setembro.

 

PoesiaAmor Universal

Chamam-lhe um campo onde os animais
que foram esquecidos pela Arca
vêm pastar sob as nuvens da noite.

Ou uma cisterna, onde a chuva que caiu
antes da história escorre ao longo de uma placa de cimento.

Qualquer que seja a forma de o ver
este não é um lugar para montar
o cavalete de três pernas do realismo

ou fazer o leitor subir
as muitas cercas de um enredo.

Deixo o romancista corpulento
com a sua máquina de escrever barulhenta
descrever a cidade onde nasceu Francine,

como Albert leu o jornal no comboio,
como as cortinas sopravam no quarto.

Deixa a dramaturga com o seu casaco rasgado
e um cão enroscado no tapete
levar as personagens

dos bastidores para o palco
para enfrentarem a escuridão de muitos olhos da sala.

poesia não é lugar para isso.
Já temos muito para fazer
ao protestar contra o preço do tabaco,

passar a concha da sopa a pingar,
e cantar canções a um pássaro numa gaiola.

Estamos ocupados a não fazer nada –
e tudo o que precisamos para isso é de uma tarde,
um barco a remos sob um céu azul,

e talvez um homem a pescar de uma ponte de pedra,
ou, melhor ainda, ninguém nessa mesma ponte.

Amor Universal, Billy Collins, Averno
trad. Ricardo Marques, Lisboa: Averno, 2014

Hoje

Se alguma vez houve um dia de primavera tão perfeito,
tão animado por uma brisa morna intermitente

que te fez querer abrir
todas as janelas de casa

e destrancar a porta da gaiola do canário,
na verdade, arrancar a pequena porta do seu batente,

um dia em que os frescos caminhos de tijoleira
e o jardim repleto de túlipas

pareciam tão incrustados na luz solar
que até te apeteceu dar com

um martelo no pisa-papéis de vidro
que está na mesa ao fundo da sala de estar,

libertando os habitantes
da sua casinha coberta de neve

para que assim pudessem sair,
de mãos dadas e franzindo os olhos

ao ver esta abóboda maior de azul e branco,
então, hoje é mesmo esse tipo de dia.

Amor Universal, Billy Collins, Averno

trad. Ricardo Marques, Lisboa: Averno, 2014

 

Rebanho

“Calcula-se que para cada exemplar da Bíblia
de Gutenberg… foram necessárias as peles de 300 ovelhas”
– de um artigo sobre imprensa

 

Parece que as estou a ver apertadas no curral
por trás do edifício de pedra
onde a prensa funciona,

todas elas se ajeitando
para encontrar um pouco de espaço
e tão parecidas umas com as outras

que seria quase impossível
contá-las,
e não há forma de dizer

qual delas irá levar a notícia
de que o Senhor é um pastor,
uma das poucas coisas que elas já sabem.

Billy Collins, Amor Universal,

trad. Ricardo Marques, Lisboa: Averno, 2014

 

Adágio
 
À noite, quando já é tarde e os ramos
batem contra as janelas,
podes pensar que o amor é apenas uma questão
 
de passar do cavalo próprio
para o burro de outra pessoa,
mas é um pouco mais complicado do que isso.
 
É mais como trocar os dois pássaros
que podem estar escondidos naquele arbusto
pelo que não tens na mão.
 
Um homem sábio disse uma vez que o amor
era como forçar um cavalo a beber
mas depois toda a gente deixou de pensar nele como sábio.
 
Sejamos claros sobre isto.
O amor não é tão simples como acordar
virado do avesso e envergando as roupas do imperador.
 
Não, é mais parecido à maneira como a caneta
se sente depois de ter derrotado a espada.
É um pouco como o tostão poupado ou a prevenção em vez do remédio
 
Tu olhas para mim através do halo da última vela
e dizes que o amor é um mal que nunca
traz a bonança, uma tempestade que não sopra nada de bom,
 
mas eu estou aqui para te lembrar,
enquanto as nossas sombras tremem nas paredes,
que o amor é o pássaro madrugador que mais vale chegar tarde do que nunca.
 
Amor Universal, de Billy Collins
trad. Ricardo Marques, Lisboa: Averno, 2014
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João Luís Barreto Guimarães

Nasceu no Porto, a 3 de Junho de 1967. Divide o seu tempo entre Leça da Palmeira e Venade.  Publicou o primeiro livro de poemas Há Violinos na Tribo, em 1989, a que se seguiram Rua Trinta e Um de Fevereiro (1991), Este Lado para Cima (1994), Lugares Comuns (2000), 3 (poesia 1987-1994), em 2001, Rés-do-Chão (2003), Luz Última (2006) e A Parte pelo Todo (2009). Mediterrâneo (2016) é o seu terceiro livro de poemas na Quetzal Editores, após a publicação de Poesia Reunida (2011) e de Você Está Aqui (2013).

Plano Nacional de Leitura Livro recomendado para a Formação de Adultos como sugestão de leitura. Depois de Poesia Reunida, publicado em novembro de 2011, a Quetzal apresenta Você está aqui, o oitavo livro de poemas originais de João Luís Barreto Guimarães. Dividido em duas partes - Partidas e Chegadas, sendo a primeira um conjunto de poemas fruto das impressões de uma série de viagens; e a segunda, o regresso à exploração/ observação do quotidiano e dos lugares familiares -, Você está aqui é também o balanço poético e pessoal do homem e do poeta, aos 40 anos, a procura e reafirmação do seu lugar, e do da sua poesia, no mundo. Críticas de imprensa «Em JLBG, o humor é um sentido extra, um assumir do desconcerto do mundo, uma fuga em frente.» Pedro Eiras, Colóquio/Letras «Uma sensibilidade quase epidérmica das ocorrências da vida.» Fernando Guimarães, Jornal de Letras «O nome de JLBG é absolutamente central no quadro da evolução da linguagem poética portuguesa.» António Carlos Cortez, Jornal de Letras «... a verdade é que ele só sabe escrever ‘de dentro da vida’ e faz sempre da vida (e da escrita) uma celebração.» José Mário Silva, Expresso «A primeira coisa que me parece de assinalar é o espírito de jogo e de ironia (...) Depois, a densa memória cultural que parece habitar esta poesia.» Luís Quintais, Relâmpago «No fundo, João Luís Barreto Guimarães demarca um território onde afirma a sua voz, o seu grupo (nas dedicatórias dos poemas vão-se encontrando vários poetas), a sua estética. O primeiro passo após a reunião da poesia é um passo, seguro, na direção da consolidação do seu caminho pessoal. Daí que você está aqui é, para além de um livro de poesia, um documento de uma geração, sem revolução, mas com marca distintiva, orgulhosa, mas quiçá assombrada com o lugar onde caiu: "(…) É terrível quando cai a cor do vinho tinto / no branco puro / da toalha.» Luís Filipe Cristovão, Revista Literária Sítio «João Luís Barreto Guimarães é um poeta viajado, erudito, não se coibindo de o mostrar naquilo que escreve; porém a fundamental ironia que anima toda a sua poesia passa precisamente por miscigenar essa erudição com os mais banais pormenores da nossa existência, aqui e ali salpicada também com a sua experiência como médico, cirurgião plástico […] Você está aqui é o reencontro com a luz, a luz da viagem, da partida e da chegada e, sempre, a contínua observação do que nos rodeia, imersa numa finíssima ironia, o nosso eterno retorno ao “carrossel dos dias” enquanto aguardamos que seja a nossa mala.» Alexandra Malheiro, Revista Literária Sítio «Ao longo dos anos, João Luís Barreto Guimarães tem vindo a afirmar-se como um dos mais consistentes poetas portugueses e o seu imaginário é uma referência incontornável para quem busca referências da nossa história e cultura. Ao mesmo tempo, há, nas suas palavras uma utilização discreta mas acutilante da ironia, o que torna a sua poesia ainda mais activa. […] Viagens por lugares, cais de olhares que ecoam a memória dos povos, este livro é um encontro com o encantamento das palavras.» Fernando Sobral, Jornal EconómicoMediterrâneoPlano Nacional de Leitura Livro recomendado para a Formação de Adultos como sugestão de leitura. Excerto: vê o pouco que ficou das longas tardes de agosto (pálida sombra de um relógio na pele do último verão) não te percas a chorar para antecipar o inverno é o sítio das nuvens que escolhe os lugares onde cai sol. essa luz não escurece o lado cansado das mãos é estranho revisitar uma praia sem pegadas sentir proteção por saber acompanhar o refrão que cruza as ondas da rádio. as vagas trazem à praia o outono das algas do mar (vão ensaiando maduras a rebentação mais perfeita) cegas na voz do marulho cegas no próprio refrão Críticas de imprensa «[…] o nome de João Luís Barreto Guimarães é absolutamente central no quadro da evolução da linguagem poética portuguesa, principalmente se pensarmos essa evolução em termos de rutura ou continuidade quanto ao que os últimos 30 anos nos ofereceram.» António Carlos Cortez, JL « Exemplar na arte da observação, o poeta recolhe acasos e gestos, pequenas epifanias, histórias breves, o trabalho da melancolia. Uma melancolia que ganha terreno na terceira fase, a dos últimos livros, muito atentos aos rituais quotidianos, aos estragos que a rotina provoca nos corpos e nos espaços domésticos, ao confronto com a ideia da morte e da perda. Por muito que J.L.B.G., médico de profissão, afirme que a poesia é uma “doença” que não se deseja a ninguém, a verdade é que ele só sabe escrever “de dentro da vida” e faz sempre da vida (e da escrita) uma celebração.» José Mário Silva, Expresso, Atual

História de uma tarde

uma réstia de tarde ainda por resolver.

Não durará muito é certo (espera-a

o esquecimento) somente o necessário até

a noite baixar. Ainda falta esta luz

antes de fechar a praia

(um átimo para esquecer

recordar

voltar atrás). Já não sobra muito eu sei

(só instantes sem momentos) esse pouco

que divisa memória de

ilusão. Procuro o inefável na espessura da tarde –

se eu não guardar num poema esta hora atravessada

nem ela nem esta tarde alguma

vez existirão.

Mediterrâneo, João Luís Barreto Guimarães, Quetzal

Still Life

Os livros

abandonados no apartamento de Jan falavam

línguas distintas. Podíamos ir pela estante

(coleccionando fronteiras)

tentando adivinhar quem os teria legado

(quem sabe se em desagravo

pelo rumo da história)

suponho que: pelo desvelo que impele

à partilha. Cruzando o apartamento alugado

tantos anos saudei

nos livros esquecidos a experiência do mundo

(breves rasgões na lombada

testemunhando a viagem)

o olvido por companhia cedo demais

para morrer. Nessa idade em que uma mão (a

minha a

sua: leitor) podia da vida quieta

extrair vida ainda.

Você está aqui, João Luís Barreto Guimarães, Quetzal

Publicado em

Joan Margarit

Nascido em 1938, em plena Guerra Civil, em Sanaüja, uma aldeia na província de Lleida, Joan Margarit incorporou esse conflito na sua obra, que iniciou no final da década de 1950, então ainda em castelhano. Casa da Misericórdia é um exemplo marcante, com as suas referências às crianças orfãs, acolhidas pela instituição de que o livro toma o nome, aos abrigos, as fugas. Morte, separação, velhice, solidão, temas inelutáveis, a que a sua poesia não se furta.

Misteriosamente Feliz, de Joan Margarit

Elegia da Alvorada

É um poeta cinzento de um país cinzento

numa cidade cinzenta com um grande porto.

E tu procuras-te nele para raconheceres

a angústia e a névoa dos teus olhos.

Permanece na penumbra, como o rapaz

que outrora olhava a chuva atrás dos vidros:

é um poeta cinzento de um país cinzento,

ao amanhecer, numa cidade cinzenta

com um grande porto junto a um mar de Inverno.

 

O corpo cai no futuro

como um pássaro num poço.

É um poeta cinzento de um país cinzento,

já surdo para o futuro,

o futuro a que pertence este poema.

Com cores de roupa negra destingida

principia a aurora: na calçada

o vento acumulou as folhas secas,

até que, de súbito, co fúria,

as levanta como uma debandada de pássaros.

O rapaz de há muitos anos

vê surgir o sol atrás dos vidros:

é já um poeta cinzento de um país cinzento

numa cidade cinzenta com um grande porto.

 

Poema Para Um Friso

Era um desenho num papel tão fino

que o levou o vento. Da janela

mais alta até tão longe, ruas, o mar:

o tempo que não recuperarei.

Procurei-o nas praias, no Inverno,

quando mais se lamenta um desenho perdido.

Segui os caminhos de todos os ventos.

Era o desenho a lápis de uma rapariga.

Meu Deus, como o procurei.

 

Organização de Miguel Filipe Mochila

 

Publicado em

Blas de Otero

Blas de Otero Muñoz (Bilbao, 15 de março de 1916 – Majadahonda(Madrid), 29 de junho de 1979) foi um poeta originário do País Basco, tendo, porém, escrito em língua castelhana, considerado um dos principais representantes da poesía social dos anos cinquenta em toda a Espanha.

Anjo Ferozmente Humano, de Blas de Otero

Ar Livre

Se há alguma coisa de que gosto, é viver.
Ver o meu corpo nas ruas,
falar contigo como um camarada,
olhar os escaparatesAnjo-Ferozmente-Humano
e, sobretudo, sorrir de longe
às árvores…

Também gosto dos camiões cinzentos
e muitíssimo mais dos elefantes.
Beijar os teus seios,
deitar-me no teu regaço e despentear-te,
engolir água do mar como cerveja
amarga, escumante.

Tudo o que seja sair
De casa, espirrar de tarde em tarde,
cuspir contra o céu das tundras
e as medalhas dos semelhantes,
sair
deste espaçoso e triste cárcere,
apressar os rios e os sóis,
sair, para o lar livre sair, para o ar.

Tradução: Miguel Filipe Mochila
Edição: Língua Mota

Parece Que Chove

Agora sim está a chover em Bilbao,
é sete de Agosto e chove como na minha infância,
delicadamente
e insistentemente, chove e o ar enche-se de eees,
de leves letras frágeis, indecisas
como aquela manhã dos teus treze anos em Barambio
quando não te atreveste a dizer a Charito que a amavas,
mas chove
e aquilo e tantas outras vicissitudes que foram caindo
sobre a tua vida como uma mansa chuva já não têm remédio,
nem deus o remedeia tal como naquela manhã em que não
chegate a decidir-te em Herrera de Pisuerga junto aos seus
seios tão frescos, chove veladamente, admiravelmente,
um pouco transversalmente,
ah esta Bilbao maçadora em que se não fosse estar a chover
nos afogaríamos todos de tédio,
fumo e beatice, mas chove contra as torres da
quinta paróquia,
e que havemos de fazer se chove
insistentemente
e, deves dizê-lo, delicadamente.

Tradução: Miguel Filipe Mochila
Edição: Língua Morta

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O Natal de Manuel António Pina

Ao Natal Chega-se Partindo

 

Quando eu era criança, o Natal entristecia-me. A desusada agitaç1932036_10208270257743698_1950333897_não dos adultos, a mãe metida na cozinha, o cheiro a fritos (as filhoses, as rabanadas, os sonhos) pela casa, as prendas, que me pareciam apenas uma rotina cabisbaixa (e porquê não poder abri-las antes da meia-noite?), o desolador menu da ceia (bacalhau!, eu que imaginava a felicidade sob a forma de um bife com batatas fritas!), tudo me fazia detestar o Natal. Só a construção do presépio me animava; com musgo e com algodão em rama imaginava campos e colinas cobertos de neve; um sinuoso caminho de serradura subia até à gruta, onde o Menino jazia deitado num ninho de pintarroxo (ainda hoje o tenho, a esse ninho); a vaca e o burro eram desproporcionados em relação ao tamanho do Menino, mas os meus pais sempre se recusaram a comprar outros; e o Rei Mago preto tinha-se partido noutro Natal e, no seu lugar, estava agora um jogador do Sporting, com bola e tudo!
Como a infância, o Natal é algo que só podemos ter quando o perdemos. Quando somos crianças, o Natal é próximo de mais, e real de mais, para ser verdadeiro. Só a memória (e a memória construímo-la como construímos um presépio: com pedaços) o torna verdade. E só a memória nos permite saber, enfim, algo essencial: que o Menino da manjedoura éramos nós.

JN, 23/12/2005

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Paisagens da China e do Japão, de Wenceslau de Moraes

“Há alguns dias, na cidade de Kobe, – poderia precisar o dia, e quase a hora, se tamanho rigorismo me exigissem, – irrompeu a Primavera. Irrompeu: não há sombra de exagero no vocábulo. Irrompeu, surgiu de um pulo, fez explosão. Neste país do Sol Nascente, onde o sol, e com ele todas as grandes forças naturais, são ainda uns selvagens – se assim posso expressar-me – uns selvagens sem freio, sem noção das conveniências, incapazes de se apresentarem de visita, de luvas e casaca, numa corte qualquer da nossa Europa: neste país do Sol Nascente, ia eu dizendo, a criação inteira apostou, parece, em oferecer em cada dia uma surpresa, toda ela exuberâncias inauditas, espalhafatos únicos, repentismos nervosos, caprichos doidos, como se reunisse em si a quinta essência da alma das crianças e a quinta essência da alma das mulheres, a gargalhada, a troça, enfim, motejadora de tudo quanto é ordem, harmonia, contemporisadora lei das transições.”

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Paisagens da China e do Japão é um livro composto por 17 crónicas literárias e contos, escritos sobre a realidade da China, particularmente de Macau, e sobre o Japão, país que Wenceslau de Moraes escolheu para passar o resto da sua vida. Uma viagem pela cultura de ambos os países, nessa altura ainda muito desconhecidos em Portugal. Todos os contos são ilustrados com gravuras, antigas litografias que o autor escolhera para ilustrar os contos e, inclusive, desenhos originais do próprio Wenceslau de Moraes.

Pintura de Shoda-Kakuyu