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A palavra pássaro

[…] – Creio – disse certa vez – que a pétala de uma flor, ou uma minhoca encontrada no caminho, diz e contém muito mais do que todos os livros de todas as bibliotecas. Com letras e palavras não se consegue dizer nada. Às vezes, ponho-me a desenhar uma letra grega qualquer, um teta ou um ómega, e, ao virar um pouco a pena, a letra parece torcer a cauda e transforma-se num peixe, e por um segundo faz lembrar todos os ribeiros e os caudais do mundo, tudo quanto é fresco e húmido, o oceano de Homero e as águas sobre as quais São Pedro caminhou; ou então a palavra torna-se um pássaro, levanta a cauda, eriça as penas, empola, solta um estridor, esvoaça. Bem, Narciso, tu não ligas muito a essas palavras, não é? Mas digo-te uma coisa: foi com elas que Deus escreveu o mundo. […]

Narciso e Goldmund, de Hermann Hesse

 

Pintura: Spätsommer , 1977, de Jan Peter Tripp

 

Narciso e Goldmund