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Mural, Mahmoud Darwich

Mural, escrito por Mahmoud Darwich em 2000, e publicado em Portugal pela primeira vez pela editora Flâneur este ano, é um poema lírico e épico, uma meditação apaixonada sobre toda a sua vida e o seu próprio confronto com a mortalidade.
Assimilando séculos de poesia árabe e aplicando a sensibilidade moderna à riqueza do seu passado literário, Darwich submeteu a sua arte à experiência do exílio e à sua própria exigência de que a obra se mantivesse fiel a si mesma, independentemente da crítica ou da aceitação pública.
Talvez nenhum poeta no nosso tempo tenha suportado este peso: ser a voz estimada e venerada de um povo, mantendo-se fiel à própria poesia, por mais hermética e interior que fosse; e ser ao mesmo tempo culturalmente múltiplo e espiritualmente singular.
Darwich é a voz da diáspora palestiniana e a voz da alma fragmentada.
O longo poema Mural é um poema central na sua obra. Em 1999, após sobreviver a uma operação ao coração, Darwish entendeu que Mural seria a sua última oportunidade de escrita. O poema é uma canção de louvor que afirma a vida e humanidade não só dos palestinianos marginalizados, mas também do indivíduo nesta terra, e do próprio Mahmoud Darwich.

Quero viver. Tenho trabalho a fazer nesta geografia vulcânica.
Dos tempos de Ló ao apocalipse de Hiroxima,
a devastação nunca foi outra coisa que não devastação.
Quero viver aqui como se em mim
ardesse sempre a ânsia do desconhecido.
Talvez o «agora» esteja muito mais distante. Talvez o «amanhã»
esteja mais próximo e o «amanhã» se encontre já no passado.
Todavia agarro a mão do «agora» para percorrer a margem da História
e não o tempo que descreve círculos como o caos das cabras‑montesas.
Sobreviverei eu à velocidade electrónica do amanhã?
Sobreviverei eu ao atraso da minha caravana do deserto?
Tenho trabalho a fazer pelo além‑mundo, como se amanhã não fosse vivo.
Tenho trabalho a fazer pela presença eterna do hoje.
Por isso ouço, pouco a pouco, a formiga no meu coração:
Ajuda‑me a suportar a minha tenacidade.

Poemas

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Manifesto Flâneur

Cátia e Arnaldo na companhia dos seus autores
Liam no rio Pu.

O Príncipe de Chu
Enviou dois vice-conselheiros
Com um documento oficial:
“Nomeamo-vos por este meio
Primeiro-Ministro.”

Cátia e Arnaldo seguraram os seus livros.
Fixando ainda o rio Pu,
Disseram:
“Contaram-me que há uma tartaruga sagrada,
Oferecida e canonizada
Há três mil anos,
Venerada pelo príncipe,
Embrulhada em seda,
Num precioso relicário
Sobre um altar
Num Templo.

“O que pensam:
Será melhor desistir da própria vida
E deixar uma concha sagrada
Como um objecto de culto
Numa nuvem de incenso
Três mil anos,
Ou será melhor viver
Como uma simples tartaruga
A arrastar a sua cauda na lama?”

“Para a tartaruga,” disse o Vice-Conselheiro,
“Melhor é viver
E arrastar a sua cauda na lama!”

“Vão para casa!” disseram Cátia e Arnaldo.
“Deixem-nos aqui
Para arrastarmos a nossa cauda na lama!”

Adaptação a partir do texto Turtle, presente no livro The Way of Chuang Tzu, de Thomas Merton