Por Dulce Maria Loynaz
Adormeci o amor no seu berço. Agora, com um gesto de mulher cansada, cerro as cortinas, recosto-me, procuro também onde dormir eu mesma.
Imagem: O espelho, de Andrei Tarkovsky
Por Dulce Maria Loynaz
Adormeci o amor no seu berço. Agora, com um gesto de mulher cansada, cerro as cortinas, recosto-me, procuro também onde dormir eu mesma.
Imagem: O espelho, de Andrei Tarkovsky
Falou a nuvem e disse:
– Sou e não sou. Estou e já deixei de estar. Nada é menos que eu, que não sou nada.
Falou a estrela e disse:
– Tão-pouco eu sou eu. Levo uma morte de milhões de anos quando os sábios me dão nomes belos.
Falou o sonho e disse:
– Eu estou para lá da morte, pois não nasci ainda. E embora por nascer possa ficar, sou já mais forte que a vida.
Então o homem que escutava sentou-se em lágrimas desoladas. Tudo quanto havia julgado seu não existia; o seu reino era um reino de fantasmas; o seu coração, um coração sem eco.
E, não obstante, ele pudera viver e morrer dia após dia, por coisas que não morriam nem viviam.
Imagem: Paulo Nozolino
É inútil querer dar um leito ao meu amor. Como os rios que transbordam das margens, ele torce-se e parte; e tem ondas rugientes que correm para o mar, e fugidios fios de água que ficam perdidos não sei onde.
Imagem: Jean-Luc Godard
de Dulce María Loynaz
Levaste a candeia contigo, mas comigo ficou a luz. Ou algo
mais subtil e mais ténue: como a sombra da luz.
Imagem: fotografia de Clarence H. White
Eu sou a terra de aluvião que a água vai arrastando. Não tenho tempo para formar uma árvore, para adoçar um fruto, para lograr uma flor.
Não aqueci duas vezes a mesma Primavera, embora todas as Primaveras me reconheçam ao passar.
As chuvas deslocam-me sem me desintegrar, o vento empurra-me sem romper o meu contorno, a minha identidade; continuo a ser eu mesma, mas perdendo-me constantemente do meu centro. Ou do que julgava ser o meu centro… Ou do que nunca será o meu centro…
Imagem: Alfred Stieglitz