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Bach – Pedro Eiras

É noite, e eu ando contigo às escuras no corredor. Faremos muitas vezes este caminho, até adormeceres. Os meus olhos habituam-se, e um pouco de luz atrás das portadas revela a forma das estantes. Vejo o suficiente para não ir contra as coisas; e de tanto ir e vir no corredor já sei quantos passos cabem entre as paredes. Saberia fazer este caminho mesmo de olhos fechados.
Seguro-te contra mim. Sinto o teu sono a chegar: no ritmo da tua respiração, no modo como vais deixando cair a cara sobre o meu ombro. Aos poucos, ao ritmo dos meus passos, na penumbra da casa, sossegas. E eu sinto o cheiro da tua pele, do teu cabelo, o calor do teu corpo no escuro. Conforme os teus braços deixam de me agarrar, seguro-te com mais força nas minhas mãos.
[…] Mas murmuro sempre, continuo a murmurar para ti, sempre, Mache dich, mein Herze, rein…, como se estas notas de música pudessem proteger-nos, esses pequenos sons, um pouco de calor entre os nossos corpos. Uma breve melodia, no meio da noite, tudo o que temos, tudo o que existe em nós.
 
Pedro Eiras, in Bach

Pintura: Emanuel de Witte, Interior com mulher tocando virginal

Bach

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Poemas Escolhidos, William Wordsworth

A Pequena Celidónia

Há uma flor, a humilde celidónia,
Que encolhe, como tantas, se sujeita
À chuva, ao frio; mas, sem cerimónia,
Se o sol reluz, eis dela a luz à espreita!

Assim que chove em salvas a saraiva
E incide contra árvores e pastos,
Amiúde a vejo, a salvo dessa raiva,
Em si fechada, um Ser de modos castos.

Um dia de invernia dei por ela;
Reconheci-a, embora alterada,
Sozinha, oferecendo-se à procela,
À chuva e à mercê da trovoada.

Parei, e isto disse intimamente,
«Não é que escolha o frio ou o chuvisco:
Nem é por sua opção, por ser valente,
Mas mera condição de quem é prisco.

O sol não a acalenta, nem o orvalho;
Não consegue evitar o abatimento;
Os membros presos, murcha, o tom já falho» –
Sorri, tal qual o meu humor: cinzento.

De Pródiga à pobreza da Reforma –
Encara a tua sorte, mísero Homem!
Que o tempo te subtraia à jovem forma
Somente o que dispense o belo Jovem!

Poemas Escolhidos, de William Wordsworth
selecção, tradução, introdução e notas de Daniel Jonas
Edição: Assírio & Alvim

Poemas Escolhidos