Mas para se compreender melhor o que é a reunião de 20 de fevereiro, para captar bem o seu carácter de eternidade, é preciso passar a chamar estes homens pelo seu nome. Já não são Günther Quandt, Wilhelm von Opel, Gustav Krupp, August von Finck a estar ali, nesse fim de tarde de 20 de fevereiro de 1933, no palacete do presidente do Reichstag; são outros nomes que é preciso mencionar. Porque Günther Quandt é um criptónimo, dissimula algo bem diferente do homemzarrão que suja os bigodes e se mantém gentilmente no seu lugar, em volta da mesa de honra. Por detrás dele, mesmo atrás, está uma silhueta bem mais imponente, uma sombra tutelar, tão fria e impenetrável como uma estátua de pedra. Sim, sobrepujando poderosamente, feroz, anónima, a figura de Quandt, e conferindo-lhe essa rigidez de máscara, mas de uma máscara que se colasse ao rosto melhor do que a própria pele, adivinha-se acima dele: Accumulatoren-Fabrick AG, a futura Varta, que nós conhecemos, uma vez que as pessoas morais têm os seus avatares, tal como as divindades antigas assumiam diversas formas e, ao longo do tempo, incorporavam outros deuses.
É pois esse o nome autêntico de Quandt, o seu nome de demiurgo, visto que ele, Günther, não passa de um montinho de carne e osso, como o leitor e eu, e uma vez que, depois dele, os filhos e os filhos dos filhos hão de por sua vez ocupar o trono. Mas o trono, esse, permanece, enquanto o montinho de carne e osso apodrece na terra. Assim, os vinte e quatro não se chamam nem Rosterg, nem Heubel, como os seus cartões de identidade nos fazem crer. Chamam-se BASF, Bayer, Agfa, Opel, IG Farben, Siemens, Allianz, Telefunken. Por estes nomes, conhecemo-los. Conhecemo-los até muito bem. Estão aí, no meio de nós. São os nossos carros, as nossas máquinas de lavar, os nossos produtos de limpeza, os nossos despertadores, o seguro da casa, a pilha do relógio. Estão aí, em toda a parte, sob a forma de coisas. O nosso quotidiano pertence-lhes. Cuidam de nós, vestem-nos, iluminam-nos, transportam-nos pelas estradas do mundo, embalam-nos. E os vinte e quatro homens presentes no palacete do presidente do Reichstag, nesse 20 de fevereiro, são apenas os seus mandatários, o clero da grande indústria; os sacerdotes de Ptah. Mantêm-se aí impassíveis, como vinte e quatro máquinas de calcular às portas do inferno.
Éric Vuillard, in A Ordem do Dia
Edição Dom Quixote
Pintura: Potentats d’ Imfirmités – Louis Soutter