(…) O amor não é uma ideia. É uma emoção que pode arrefecer ou aquecer. Vem e vai. É um sentimento que adquire forma e dimensão e tem cinco ou mais sentidos. Por vezes, aparece-nos na forma de um anjo com asas delicadas capazes de nos arrancar da Terra. Por vezes, investe contra nós como um touro, deixa-nos estendidos no chão e vai-se embora. Outras vezes, é uma tempestade que só identificamos depois da devastação que provocou. Outras vezes ainda, cai sobre nós como o orvalho da noite, quando uma mão mágica ordenha uma nuvem errante.
Mas todas estas formas se fundem – se tornam visíveis, perceptíveis e tangíveis – numa mulher, não numa ideia. Amamos a tentação da forma, e a imaginação dedica-se a indagar o que de misterioso e estranho guarda. As almas conhecem-se e desenvolvem proximidade através da forma, que brilha graças à sua essência. E é possível que divirjam na interpretação do que o corpo diz ao corpo e partam em busca de outra transparência, dissolvendo-se em corpos repletos de água, harmonia e música. O amor é caprichoso, mutável, resistente à identidade. É o acometimento que confunde paixão e iluminação. É o que não conheces e sabes que não conheces. É a consumação do significado no não-significado, em virtude da sua excessiva tendência para a gratuitidade e para o esbanjamento. É a antítese da repetição e da pretensão de emendar o ar com cor. Caso contrário, pode converter-se num matrimónio em que a correcção mútua substitui a improvisação da poesia indispensável ao amor. A prosa das tarefas domésticas não serve para conservar duas pêras frescas no prato de mármore, nem para incitar o desconhecido a travar o conhecido. Tem de haver mistério. Tem de haver mistério para que o amor continue a ser surpresa e dádiva. Portanto, não abras o armário que guarda os segredos da natureza dela. (…)
Mahmoud Darwish, in Na Presença da Ausência