(…)Depois, o macho começou a passear atrás delas com um ar condescendente; mas sentiu a pata detida pelo limite da corda, e rendeu-se com uma espécie de colapso. Arreava a bandeira, dir-se-ia que minguava e se dissolvia na sombra. Apesar de novo e com um rabo de penas que, embora vistosas, não tinham chegado ao seu auge. O dia voltou, porém, a declinar, e a maré de vida dentro dele fê-lo esquecer o acidente. Quando a galinha favorita deu uma distraída mas provocatória passeata ao seu alcance, atirou-se a ela com todas as penas a vibrar. E o homem que tinha morrido pôde contemplar a vibração instável mas assumida de ave vergada; sem ver a ave mas só a crista de uma onda de vida que, durante um minuto, cobria outra em pleno fluxo de um oscilante oceano de vida. Pareceu-lhe que o destino da vida era afinal mais feroz e coercivo que o destino da morte. A fatalidade da morte uma sombra, se comparada com o destino violento da vida, com a onda implacável da vida.(…)
(…)- O Verbo é como um mosquito que à noite nos pica. Tanto as palavras como os mosquitos atormentam e perseguem o homem até ao túmulo. Mas não conseguem ultrapassar o túmulo. Eu já ultrapassei o local onde as palavras deixam para sempre de morder, o ar é puro, e nada há para dizer: estou sozinho na minha pele, que é muralha de todo o meu domínio.
Tinha curado as feridas, e disfrutava da imortalidade de estar vivo sem impaciência. Porque no túmulo tinha desfeito o nó a que chamamos cuidados. Porque no túmulo tinha largado o eu que luta, se preocupa e cansa. Com um eu destituído de cuidados estava curado, começava a estar completo na sua pele e ria sozinho, satisfeito com a solidão pura, que é uma espécie de imortalidade.(…)
D. H. Lawrence, in O Homem Que Morreu
Pintura de D. H. Lawrence