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Luís Quintais

Estou a reler O mar da fertilidade de Mishima. Li-o pela primeira vez por volta dos meus vinte anos e deixou-me uma impressão indelével. Agora, retomo-o com assombro. Mishima é um dos grandes escritores do século XX. Uma espécie de Proust japonês. No seu melhor é mesmo tão bom como Proust. A impressão com que se fica é que, nos quatro volumes que compõem a tetralogia (Neve de Primavera, Cavalos em Fuga, O Templo da Aurora e A Ruína do Anjo), Mishima terá tocado em qualquer coisa de essencial: um entendimento profundamente inquietante da beleza como compromisso vital com a natureza e com a tradição que, em grande medida, corresponde a um aspecto particular da cultura japonesa, mas que aqui ganha tonalidades que podemos tomar como universais. O suicídio ritual de Mishima em Dezembro de 1970 afigura-se-nos quase inteligível à luz deste compromisso com a beleza que se encena no imenso fresco que é O Mar da Fertilidade. Mishima é aquele que nos revelou o enlace significativo entre a elegância e a violência. De outro modo ainda, em Mishima, toda a sabedoria é a realização e o reconhecimento dos desdobramentos infinitos do amor e da morte. Para lá disso, não existe senão o vazio. Importante dizer que estou a relê-lo em inglês na minha já velha e gasta cópia da Penguin que reúne os quatro volumes. É hoje impossível encontrar a edição portuguesa de O mar da Fertilidade nas livrarias. E se é certo que Mishima não está na moda, valeria porém a pena reeditar este trabalho imenso.

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(Imagem: Público)