No amor entre um homem e uma mulher há sempre um momento em que esse amor atinge o seu zénite, em que não há nele nada de consciente, de racional nem de sensual. Esse momento foi para Nekhliúdov na noite da luminosa ressurreição de Cristo. Ao recordar agora Katiucha, de todas as situações em que a vira, esse momento superava todos os outros. A cabeça negra, lisa, brilhante, o vestido branco pregueado, que lhe moldava virginalmente o corpo esbelto e o peito pequeno, e aquele rubor, e aqueles ternos olhos negros brilhantes, um pouco tortos devido à noite sem dormir, e em todo o seu ser, havia duas linhas principais: a pureza virginal do amor não apenas por ele – isso ele sabia -, mas também de um amor por todos e por tudo, não apenas pelo que de bom existe no mundo – até por aquele mendigo com o qual ela trocou beijos.
Nekhliúdov sabia que havia nela esse amor, porque nessa noite e nessa manhã tinha consciência dele, e tinha consciência de que nesse amor se fundia com ela num único ser.
Ah, se tudo tivesse ficado pelo sentimento que houve nessa noite!
Lev Tolstoi, in Ressurreição
Pintura de Riza-yi `Abbasi (Pérsia 1565–1635)