Publicado em

Confabulações

O que me levou a escrever ao longo dos anos foi o pressentimento de que há alguma coisa que precisa de ser dita e que, se eu não a tentar dizer, há o risco de ela ficar por dizer. Imagino-me não tanto como um escritor consequente e profissional, mas mais como um homem para as emergências.
Depois de ter escrito algumas linhas, deixo que as palavras retornem à criatura da sua linguagem. E, lá, elas são instantaneamente reconhecidas e saudadas por um conjunto de outras palavras, com as quais têm afinidades de sentido ou de oposição, de metáfora ou de aliteração ou ritmo. Escuto as suas confabulações. Juntas, estão a contestar o uso que eu dei às palavras que escolhi. Estão a questionar os papéis que lhes atribuí.
Por isso, modifico as linhas, mudo uma ou duas palavras e submeto-as a nova apreciação. Começa outra confabulação.
E continuo assim até haver um murmúrio surdo de assentimento provisório. Então, prossigo para o parágrafo seguinte.
Começa outra confabulação…
Os outros podem classificar-me como quiserem enquanto escritor. Para mim próprio sou o filho da puta – e conseguem adivinhar quem é a puta, não conseguem?

John Berger, in Confabulações

Ilustração de Jean-François Martin

Confabulações