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Joan Margarit

Nascido em 1938, em plena Guerra Civil, em Sanaüja, uma aldeia na província de Lleida, Joan Margarit incorporou esse conflito na sua obra, que iniciou no final da década de 1950, então ainda em castelhano. Casa da Misericórdia é um exemplo marcante, com as suas referências às crianças orfãs, acolhidas pela instituição de que o livro toma o nome, aos abrigos, as fugas. Morte, separação, velhice, solidão, temas inelutáveis, a que a sua poesia não se furta.

Misteriosamente Feliz, de Joan Margarit

Elegia da Alvorada

É um poeta cinzento de um país cinzento

numa cidade cinzenta com um grande porto.

E tu procuras-te nele para raconheceres

a angústia e a névoa dos teus olhos.

Permanece na penumbra, como o rapaz

que outrora olhava a chuva atrás dos vidros:

é um poeta cinzento de um país cinzento,

ao amanhecer, numa cidade cinzenta

com um grande porto junto a um mar de Inverno.

 

O corpo cai no futuro

como um pássaro num poço.

É um poeta cinzento de um país cinzento,

já surdo para o futuro,

o futuro a que pertence este poema.

Com cores de roupa negra destingida

principia a aurora: na calçada

o vento acumulou as folhas secas,

até que, de súbito, co fúria,

as levanta como uma debandada de pássaros.

O rapaz de há muitos anos

vê surgir o sol atrás dos vidros:

é já um poeta cinzento de um país cinzento

numa cidade cinzenta com um grande porto.

 

Poema Para Um Friso

Era um desenho num papel tão fino

que o levou o vento. Da janela

mais alta até tão longe, ruas, o mar:

o tempo que não recuperarei.

Procurei-o nas praias, no Inverno,

quando mais se lamenta um desenho perdido.

Segui os caminhos de todos os ventos.

Era o desenho a lápis de uma rapariga.

Meu Deus, como o procurei.

 

Organização de Miguel Filipe Mochila