Há um poema de Manuel António Pina em cima da mesa, ao lado de scones, biscoitos e sumo de laranja natural. Pina Bausch também anda por aqui, através da música da banda-sonora de Pina, o filme de Wim Wenders sobre a incontornável coreógrafa e bailarina alemã. É sábado, início de tarde de início de Outono, e faz-se um Pina brunch na livraria Flâneur. Mas nem o cheiro a scones com compota de morango distrai do essencial: os livros. As prateleiras revelam uma óptima selecção de escritores, entre eles Elena Ferrante, Herberto Helder, Afonso Cruz, Svetlana Alexievich – a nova Nobel da Literatura –, Karl Ove Knausgård, Walter Benjamin, Slavoj Žižek, Jacques Derrida, Max Horkheimer e outros autores que incitam ao cada vez mais necessário sobressalto intelectual e político.
“Desde pequena que estou rodeada de livros de língua portuguesa – a minha mãe preferia-os às traduções, muitas vezes mal feitas, de livros estrangeiros. Assim, fui crescendo a ler autores portugueses, sem grande método ou valorização, somente por gosto de juntar palavras baixinho e criar histórias imaginárias. Continuar a ler A literatura portuguesa na história de Inês Viseu
“A Viajante é um romance fervilhante da escritora cubana Karla Suárez. As suas muitas páginas levam-nos por dentro do diário de bordo de Circe, uma viajante à procura da «sua cidade». Respira fundo quando chega a uma novo poiso: São Paulo, Madrid, Paris, Roma, Naxos ..e ouve o que essa respiração lhe diz. Inquieta nos passos, mas segura nos encontros que se permite, no devorar de cada experiência. A leitura deste livro é, em si mesma, uma viagem a esses passos pelo mundo. O mundo sentido como uma casa inteira e a escrita como a forma de o ancorar num universo pessoal.”
Edite Amorim, psicóloga, viajante, comunicadora, criativa. Podem conhecê-la melhor aqui: http://www.thinking-big.com/
“Este livro tem uma grande importância na minha vida, não só enquanto obra, mas também enquanto objecto. Acompanha-me a mim e ao meu pai desde 1993. Recordo-me de o termos encontrado e comprado na Casa do Livro, que hoje já não existe, pelo menos enquanto livraria. Perguntei ao meu pai quem era o autor deste livro e ele respondeu-me que era Álvaro de Campos. «Mas a fotografia da capa é do Fernando Pessoa!», respondi-lhe. Foi nesse momento que descobri o que era um heterónimo e que Pessoa tinha vários. Ao longo destes vinte e dois anos tenho conhecido cada um deles. Álvaro de Campos e Bernardo Soares são os que mais gosto de ler. Sinto que este livro tem uma leitura infinita. Leio-o e relei-o e parece-me sempre a primeira vez, como se fosse um livro transmutável, que se transforma ao longo da vida, da sua ou talvez da minha. Naturalmente que há poemas que nos transmitem sempre melancolia e angústia como o “Aniversário”, mas há outros que vão ganhando diferentes tons, diferentes ritmos, diferentes sentimentos, diferentes musicalidades.
Há dias o meu pai ofereceu-me o livro. A edição que comprámos juntos em 1993, naquela tarde em que descobri o que era um heterónimo. É parte da nossa história.”
João Sousa Dias, advogado e leitor, quase desde sempre.
Local da fotografia: Espiga, um espaço maravilhoso para ler, para se estar ou “ficar muito quietinho a ser” (Pina)
A Educação Europeia de Romain Gary conta a história de um jovem adolescente lituano polaco de 14 anos, Janek Twardowski, que vive refugiado na floresta e se junta a um grupo partisan para sobreviver e lutar contra a ocupação nazi.
E, na hora das trevas, de que educação europeia fala Gary? «A Europa teve sempre as melhores e mais belas universidades (…), elas foram o berço da civilização (…) mas há também uma outra educação europeia, a que recebemos hoje: os pelotões de execução, a escravatura, a tortura, a violação – a destruição de tudo o que torna a vida bela.», diz o chefe partisan Dobranski, um verdadeiro humanista num livro e num mundo onde quase ou deixamos mesmo de acreditar nessa humanidade. Que insustentável leveza esta…
Partilho convosco estas passagens do livro:
“A Stalingrad, les hommes se battent pour qu’il n’y ait plus de guerre”. Mais déjà elle savait que ce n’était pas vrai, que les hommes se battent jamais pour une idée, mais simplement contre d’autres hommes, que la forcé du soldat n’est pas l’indignation, mais l’indifférence, et que les vestiges des civilisations sont et seront toujours des ruines…”
“Le patriotisme, c’est l’amour des siens. Le nationalisme, c’est la haine des autres. Les Russes, les Américains, tout ça… Il y a une grande fraternité que se prépare dans le monde, les Allemands nous auront valu au moins ça…”
Inês Dias Gomes mora em Genebra, onde esta fotografia foi tirada, e trabalha no gabinete de publicações da Organização Internacional do Trabalho.
(A Inês leu a versão original editada pela Gallimard. Em Portugal a Educação Europeia é editada pela Sextante)
“Comecei a ler este livro recentemente mas já me fez pensar em diversos assuntos gerais, assuntos cruciais para o pensamento: Haverá vida depois da morte? Como se formou o mundo? Entre outros…. Mas além de me fazer pensar, o livro desenvolve estes temas, mas esclarece que cada pessoa tem de encontrar as suas respostas, pois não há uma verdade absoluta ou uma enciclopédia pela qual nos possamos seguir. Basicamente tenho adorado estes parágrafos de reflexão.”
Encontrámos o Pedro, a poucos dias de partir em viagem para os Balcãs, a ler As Cidades Invisíveis de Italo Calvino numa praça do Porto, cidade visível mas cheia de lugares e de coisas invisíveis, que só se se alcançam usando todos os sentidos e o coração.
“Nem sempre fui assim. Na verdade, por muitos anos acantonava-me ao meu canto e não queria descobrir nada de novo. Refugiava-me no Torga e dizia que a partir do “local” podia conhecer o universo. Depois mudei radicalmente e este livro do Italo Calvino, que é de um género fantástico, ilumina muito do que hoje gosto de antecipar que vou conhecer quando viajo. No fundo é isso que mais me encanta no livro, imaginar que aquelas cidades são reais e que posso conhecer, por exemplo nos Balcãs, cidades assim.”
O Pedro abriu o livro e mostrou-nos estas frases que agora partilhamos convosco:
“Os lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu, descobrindo o muito que não teve nem terá”.
“A cidade é redundante: repete-se para que haja qualquer coisa que se fixa na mente”, escreveu Calvino sobre a cidade de Zirma.
Uma Vida à Sua Frente de Romain Gary é narrado na primeira pessoa por Mohammed (Momo), um rapaz muçulmano de 14 anos, órfão, que vive no sexto andar de um prédio sem elevador no bairro pobre de Belleville com Madame Rosa, prostituta reformada e sobrevivente do Holocausto. Momo partilha a casa com outros órfãos, que vê chegar e partir, todos ao cuidado da mesma senhora, que dedica a sua vida a criar crianças ilegítimas de prostitutas das ruas de Paris.
Num ambiente multi-cultural, multi-étnico e até burlesco, tão característico da obra de Gary, vemos várias vidas a serem vividas à nossa frente. E assim sendo, tal como na vida, experienciamos risos, dores, tristezas, esperanças. É sobretudo esperança que este livro nos oferece. Na amizade, no amor e na paz, tão preciosos durante a vida e até no momento da morte. E assim, quando a devoção e a solidariedade são maiores do que as diferenças, o que vemos são as pessoas. Nada mais importa.
Por isso, acredito que este é um livro que nos ajuda a viver a vida à nossa frente.
Ana Vila Pouca
Local da fotografia: Livraria Déjà Lu, Cascais