Não se sabe se esta estória é uma lenda ou se é verdadeira História. Mas ainda que não existam documentos fidedignos sobre ela, não é por isso que perde valor e que não merece ser contada. A Cruzada das Crianças terá sido uma cruzada que se realizou em 1212, formada por uma multidão de crianças da Europa Central e pelos seus pais. A Cruzada terá partido de Marselha em 1213, motivada não tanto pela conquista da Terra Santa, mas sobretudo pela vitória da pureza ética das crianças. No entanto, cerca de cem navios terão naufragado no Mediterrâneo e não se sabe ao certo quantos terão chegado efectivamente à Terra Santa, nem o que aconteceu às crianças e às suas famílias.
No livro “A Cruzadas das Crianças” (Alfaguara), Afonso Cruz parte da lenda ou da História para dar voz às reivindicações das crianças que, actualmente, se rodeiam de cansaço, de falta de tempo, de individualismo (é assim a sociedade dos adultos e se não lutarmos por uma mudança, esta é uma engrenagem da qual um dia farão também parte), propondo a criação de novo mundo, mais harmonioso e mais humano.
E que reivindicações são essas? Que as estradas sejam encurtadas para os avós não demorarem tanto tempo a percorrê-las e para que possamos estar todos mais “abraçados”. Mais felicidade, acreditanto que as bibliotecas podem ter um papel crucial na realização desse sonho. Que se substituam os espelhos por janelas, para em vez de olharmos para o nosso exterior, passemos a olhar para as outras pessoas. À excepção da Assembleia da República, onde devem manter-se as janelas e os espelhos; janelas para os políticos “verem o que se passa connosco” e espelhos para “verem de quem é a culpa”.
Este é um livro bonito, que merece a leitura de crianças e de adultos. Deixo um pequeno excerto do momento em que a Cruzada passou pelo banco:
“Criança 1: Para terem cofres desse tamanho não podem ter só dinheiro.
Bancário: Bom, há títulos e…”
(…)
Criança 2: Não há qualquer coisa importante? (…) Como ser feliz. Como fazer construções na areia. Como brincar às escondidas.
(…)
Bancário: O dinheiro permite-nos comprar coisas que nos fazem felizes.
(…)
Criança 1: Se o senhor abrir o cofre, as pessoas podem ser todas felizes, cheias de brinquedos?
(…)
Bancário: O trabalho é essencial para se ter acesso ao conteúdo do cofre.
(…)
Criança 1: Para ser feliz é preciso trabalhar? Mesmo que isso nos faça infelizes o tempo todo? É que depois de sermos infelizes durante o dia todo, já não temos tempo para brincar.”
Pelas crianças e pelos adultos, procuremos criar uma sociedade fundada no amor, na tolerância, na liberdade de escolha, na igualdade de oportunidades, na entre-ajuda, no conhecimento e no saber. Parece uma utopia? Antes a utopia do que a desumanização. É a utopia que nos faz evoluir.