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Javier

Quando alguém passa a ser apenas o seu apelido, esse alguém costuma ser considerado um triunfo – sobretudo em França, onde é um cunho de unicidade -, mas na verdade é uma despersonalização, uma coisificação, uma comercialização, uma condecoração barata que outros podem pendurar a troco de pouco: de lisonjas, de um pequeno investimento ou de vagas promessas, nada mais. Em Espanha, curiosamente, ainda se dá mais importância ao facto de alguém passar a ser apenas um nome próprio, algo ao alcance de quatro ou cinco ou seis: «Federico» é Garcia Lorca sem lugar para dúvidas, como «Rubén» é Rubén Darío, «Juan Ramón» é o Prémio Nobel Jiménez, «Ramón» é Gómez de la Serna, «Mossèn Cinto» é Verdaguer e «Garcilaso», cinco séculos antes, é Garcilaso de la Vega, há muito tempo que a lista não aumenta, quem sabe se para entrar nela também seja preciso um apelido demasiado longo ou por de mais comum ou que se preste a confusão (a existência de Lope de Vega deve ter ajudado os três, «Garcilaso», «Lope» e «Inca Garcilaso», a quem se chama de modo tão absurdo para o distinguir do seu homónimo cabal), e eventualmente um pingo de afecto pseudopopular que convide à familiaridade.

Javier Marías, in Assim Começa o Mal

 

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