Matsuo Bashô (Tóquio, 1644 – Osaka, 28 de Outubro de 1694)
O deus está longe;
empilham-se as folhas mortas
e tudo é deserto.
Começo de outono;
quer o mar, quer as campinas,
tudo é um só verde.
Entrega ao salgueiro
o tédio e todo o desejo
do teu coração.
Entre os pessegueiros,
florindo por todo o lado,
agora a cerejeira.
Esvai-se o som da noite;
sobre o perfume das flores —
um sino tocou.
Tudo o que me cerca
e encontra o meu olhar
é fresco e é novo.
No meio da planície
uma cotovia canta,
liberta de tudo.
Lua cheia, outono —
caminhei a noite inteira
ao redor do lago.
Sou só o que toma
o pequeno-almoço olhando —
esplendor da manhã.
Primeira manhã
de primavera; sinto-me
como qualquer outro.
A noite gelada;
o som do remo a cortar
a onda, — lágrimas.
Ao longo da estrada,
ninguém se vê caminhar;
cai a noite de outono.
o gosto solitário do orvalho seguido de o caminho estreito
Primavera
Abrindo de par em par
as portas do palácio:
A PRIMAVERA
Apesar da névoa
mesmo assim é belo
o Monte Fuji
Não esqueças nunca
o gosto solitário
do orvalho
Brisa ligeira
A sombra da glicínia
estremece
Uma rã mergulha
no velho tanque…
O ruído da água
De que árvore em flor
não sei —
Mas que perfume
A cada sopro do vento
muda de folha
a borboleta no salgueiro
A uma papoila
deixa as asas a borboleta
como recordação
Flores de cerejeira no céu escuro
e entre elas a melancolia
quase a florir
Extingue-se o dia
mas não o canto
da cotovia
Lua cheia:
para repousar os olhos
uma nuvem de tempos a tempos
Flores queimadas pela geada
Os grãos caídos
semeiam a tristeza
Depressa se vai a primavera
Choram os pássaros e há lágrimas
nos olhos dos peixes
Verão
Preso na cascata
um instante:
o verão
Frescura:
os pés no muro
ao dormir a sesta
Com relutância
emerge e abelha
do coração da peónia
Visto à luz do sol
é apenas mais um insecto
o pirilampo
Narciso e biombo
um o outro ilumina
branco no branco
Silêncio:
as cigarras escutam
o canto entre as rochas
Sensação de vazio
Ao despedir-me colhi
uma espiga de trigo
As cigarras cantam
sem saberem que é a morte
que as escuta
Ervas do estio
Eis o resta
do sonho dos guerreiros
No pôr do sol
entre as papoilas brancas
as faces curtidas dos pescadores
Outono
Outono:
velhos parecem até
os pássaros e as chuvas
Trevos roxos
ondulam sem deixarem cair
uma só gota de orvalho
Cai uma castanha…
Calam-se de súbito os insectos
entre as ervas
Crepúsculo:
as ervas parecem seguir
os rebanhos que recolhem
Vento de Outono —
até as pedras do Monte Assama
voam
Ah este caminho
que já ninguém percorre
a não ser o crepúsculo
Admirável aquele
cuja vida é um contínuo
relâmpago
Na escuridão do mar
brancos
gritos de gaivotas
No outono nos separamos
como duas conchas
da amêijoa
Outono —
empoleirado num ramo seco
um corvo
Inverno
Declínio —
um dente acusa um grão de areia
nas algas secas
Intempérie —
infiltra-se o vento
até na minha alma
Tão esguia a gata
Não da falta de cevada
mas do amor
Um vento glacial sopra
Os olhos dos gatos
pestanejam
As mãos no lume
… e na parede
a sombra do meu amigo
Primeira neve —
basta um floco
para vergar a folha do junquilho
Kisagata —
Seishi adormeceu à chuva
Húmidas mimosas
Se parados pelas nuvens
dois patos selvagens
Dizem-se adeus
Tendo adoecido em viagem
em sonhos vagueio agora
na planície deserta
O caminho estreito
Também esta cabana de colmo
se há-de transformar
em casa de bonecas
Que glória
as folhas verdes as folhas novas
sob a luz do sol
Nem o picanço
tocará esta ermida
suspensa entre as árvores de verão
Ficou plantado o arrozal
quando me despedi
do salgueiro
O berço da poesia
os cantos dos plantadores de arroz
no longínquo norte
Mãos que hoje plantam arroz
outrora ágeis desenhos
imprimiam como uma pedra
Das cerejeiras em flor
ao pinheiro de dois troncos:
três meses
Criadoras de bichos da seda
as suas roupas
aroma de antiga inocência
Na frescura
me estendo
como no meu leito
Quietude:
as cigarras escutam
o canto das rochas
O cálido dia:
o rio Mogami
deita-o ao mar
Cabanas dos pescadores:
apanhando a frescura do entardecer
estendidos sobre as portas
O ninhos de «misagos»
sobre uma rocha no mar:
jurariam as ondas não lhes tocar
O Sétimo Mês
a noite do sexto dia
não me parece a de sempre
Penetro no aroma do arrozal
à minha direita
a cólera do mar
O sol arde
sem compaixão
Mas o vento é de Outono
Que nome delicado
O vento entre os pinheiros
os trevos os juncos
Se hei-de morrer no caminho
que seja
entre os campos de trevo
Hoje o orvalho
apagará o teu nome
do meu chapéu
Toda a noite
escutei
o vento de Outono na montanha
Yosa Buson (1716, Osaka – 1783, Kyoto)
caídas as flores
da cerejeira, eis o templo —
através dos ramos.
As flores da colza —
com o sol ocidente,
lua a oriente.
Com o vento de oeste,
juntam-se as folhas caídas
do lado de leste.
Tardinha de outono;
há alegria também
nesta solidão.
À brisa da tarde,
a água lambe e envolve
as pernas da garça.
Brilha um relâmpago!
O som das gotas de água caindo
por entre os bambus.
A noite afunda-se
e dome pelas aldeias;
o som da cascata.
Estendi a esteira
e sentei-me a contemplar
a ameixieira em flor.
A voz dos mosquitos —
sempre que cai uma flor
da madressilva.
Esplendor da tarde;
deve haver um amarelo
também a florir!
Azáleas florescem;
na aldeia perdida no monte
o arroz é branco.
Torna-se a raposa
um belo principezinho;
noite primavera.
Desoladamente,
o sol pôs-se nos rochedos
do seco paúl.
Vagarosos dias
passam. Que distantes fiam
as coisas passadas!
Lento vai o dia;
numa esquina de Kyôto
ouvem-se os ecos.
Masaoka Shiki (17 Setembro de 1867 – 19 de Setembro de 1902)
Na praia arenosa,
pegadas. É primavera —
longo vai o dia.
Passada a tormenta,
sol tardio brilha na árvore
onde a cigarra canta.
Nuvens ondeantes —
amontoadas ao sul,
barcos, brancas velas.
Perto das ruínas,
as aves a vaguear
por entre o hibisco.
Na curva da estrada,
já pode avistar-se o templo —
rústicos crisântemos.
Aqui e ali
um veado transparece
no meio dos arbustos.
Não há jardineiro —
o jardim em liberdade
e por aparar.
O sol da tardinha
trespassa a vegetação,
pousando na rede.
Na ilha do lago,
lá onde ninguém habita,
é densa a folhagem.
Kobayashi Issa ( 15 de Junho de 1763 – 5 de Janeiro de 1827)
Hasta mis pies
¿cuándo y cómo has llegado,
caracolillo?
Por sí sola,
la cabeza se inclina,
Monte Kamiji.
Mi pueblo: todo
lo que me sale al paso
se vuelve zarza.
Cae bocarriba
la cigarra de otoño
y sigue cantando.
De no estar tú
demasiado enorme
sería el bosque.
Las flores han caído:
ahora nuestras mentes
están tranquilas.