Mahmud Darwich nasceu em 1942 em Birwa, na Galileia, a poucos quilómetros de São João d’ Acre. Em 1948, as tropas israelitas obrigam-no a partir com a família para o exílio, do qual regressa clandestinamente, um ano depois. Cinco vezes preso, entre 1961 e 1967, refugia-se, em 1970, no Cairo e, em 1972, em Beirute, que abandona, entretanto, em 1982, aquando da invasão do país pelas forças judaicas. Autor de uma extensa e complexa obra, atravessada ora por um tom revolucionário e patriótico, ora por um sopro épico e lírico, escreveu também diversas obras em prosa, onde estão reunidos os numerosos artigos publicados na imprensa, designadamente na revista literária al-Karmil, que fundou em Beirute e dirigiu a partir de Ramallah. Considerado um dos mais importantes poetas árabes contemporâneos, Darwish, autor da Declaração de Independência da Palestina, escrita em 1988, parte para o definitivo exílio em 2008, com 66 anos.
“A minha imagem pública permanece, entretanto, mais forte do que a minha inquietação. Eu sou o que se designa “o poeta da Palestina” e requer-se de mim que fixe o meu lugar na língua, que proteja a minha realidade do mito e domine uma e outra, para ser ao mesmo tempo parte da História e testemunha do que ela me fez sofrer. É por isso que o meu direito a um futuro implica revolta contra o presente e defesa da legitimidade da minha existência no passado. A minha poesia está assim transformada em prova de existência ou de nada. Eu era, quando comecei a escrever, habitado pela obsessão de dizer a minha perda, os meus sentidos, os limites impostos à minha existência, breve, o meu eu no seu meio e na sua geografia particulares. Não prestava verdadeiramente atenção ao facto de que o meu ser recortava um ser colectivo. Queria exprimir-me, sonhando apenas transformar-me a mim mesmo. Mas que podia eu contra o facto de a minha história individual, a do grande desenraizamento do meu lugar, se confundir com a dum povo? Os meus leitores encontraram assim, naturalmente, na minha voz pessoal a sua voz pessoal e colectiva. Mas, quando cantei na prisão as saudades do café e do pão de minha mãe, eu não aspirava a ultrapassar as fronteiras do meu espaço familiar. E, quando cantei o meu exílio, as misérias da existência e a minha sede de liberdade, não queria fazer “poesia da resistência”, como então afirmou a crítica árabe”.
“Quando penso nesses anos, revejo a formidável capacidade da poesia em se expandir, quando ela não procura nem solidão nem grande voga e nem uma nem outra são critérios válidos para julgar a sua beleza. Mas sei também, quando penso nos que denigre a “poesia política”, que, pior do que esta, é o excesso de desprezo pelo político, a surdez perante as questões colocadas pela realidade e pela História, e a recusa em particular implicitamente na empresa da esperança.”
“A origem da poesia é sem dúvida uma só: a identidade do homem, desde o passado do seu exílio até ao seu presente exilado.”
“Que significa o facto de eu dizer que a minha poesia vem dum país no qual a relação entre o tempo e o lugar se rompeu, duma pátria em que as crianças se transformaram em fantasmas? É só uma maneira de dizer as dificuldades da modernidade árabe em marcha, da tribo cujas tendas se volatilizaram em direcção à cidade que ainda não nasceu. A obscuridade não é o objectivo da poesia. Ela nasce, porém, da tensão entre o movimento do poema e o pensamento que o poema põe em movimento, da tensão entre o seu estado de prosa e o seu estado de ritmo. E essa parte obscura, comparável às evocações das sombras, é uma das formas do combate entre a língua poética e a realidade que a poesia, na busca da sua essência, já não se contenta em descrever. Talvez essa parte obscura seja precisamente o espaço aberto diante do leitor que, liberto duma mensagem definitiva, dotado da capacidade de ler e interpretar, possa então dar ao poema uma segunda vida.”
“Raros são os poetas que nascem poeticamente duma só vez. Pela minha parte, nasci gradualmente e por contracções espaçadas e continuo a aprender a marcha difícil no longo caminho do poema que ainda não escrevi.”
Dezembro de 1999
Mahmud Darwich
As citações apresentadas foram extraídas do prefácio, da autoria de Mahmud Darwich, da edição portuguesa da Campo das Letras de “O Jardim Adormecido e outros poemas”, com selecção e tradução de Albano Martins.