Descrição
«No trecho do Livro do Desassossego que começa “Prefiro a prosa ao verso como modo de arte” e que constitui, todo ele, uma magnífica apologia da prosa como forma artística superior, lemos: “Na prosa se engloba toda a arte — em parte porque na palavra se contém todo o mundo, em parte porque na palavra livre se contém toda a possibilidade de o dizer e pensar”. O presente volume, que reúne a grande maioria dos textos em prosa publicados em vida de Pessoa, confirma a verdade dessa afirmação — pela enorme variedade temática dos textos, pela sua diversificação estilística, pela sua originalidade expressiva e pela ausência de ideias e opiniões rígidas, ou melhor: pela convivência de elementos díspares e até contraditórios. […] Mas Pessoa era fundamentalmente um poeta, mesmo quando disfarçado do ajudante de guarda-livros que se dizia “incapaz de escrever em verso”. Era poeta, mesmo na prosa, por sonhar alto e nos fazer sentir tais alturas; por poder sentir pensando e pensar sentindo, vendo e exprimindo o que existe (ou não existe) como se fosse pela primeira vez; por querer — e conseguir — dizer mais do que as palavras dizem. […]
A invulgar inteligência, o enorme poder analítico e a incansável curiosidade intelectual são ingredientes essenciais do génio de Fernando Pessoa, mas não haveria génio nenhum sem a sua alma “não-aristotélica”, que soube saltar para além do que é racional e mensurável, dando origem a obras, ou melhor, a uma Obra, que extravasa com não sabemos o que seja (chamemos-lhe “beleza”, chamemos-lhe “verdade”), precisamente nas suas lacunas, nas hesitações, no que tem de inevitavelmente fragmentário, naquilo que o raciocinador não conseguiu explicar, mas que o poeta sussurra, ainda hoje, ao ouvido atento.» Do Prefácio de Richard Zenith, editor da obra.