Descrição
O Poético é Político
Em Poesia do mundo 5 está reunida uma mostra bilingue da obra dos poetas que participaram no V Encontro Internacional de Poetas, o qual teve lugar em Coimbra em Maio de 2004. Desde há quinze anos, de três em três anos, docentes do Grupo de Estudos Anglo-Americanos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra organizam, com grande prazer mas enorme custo pessoal, os Encontros Internacionais de Poetas. São também em larga medida da nossa responsabilidade as traduções fornecidas.
Por que razão nos damos tamanho trabalho? Porque teimosamente insistimos em ser humanos e em convidar todos a assumir plenamente a sua humanidade. Enquanto o mundo à nossa volta se desmorona, a ocidente e a oriente, por desrespeito brutal da beleza e espanto de existir, nós reunimos poetas, coerentes com a nossa vocação de humanistas e professores, para significar a nossa fé na possibilidade de uma ampla comunidade de gentes de diferentes origens nacionais, étnicas e culturais, de diferentes crenças religiosas, convicções políticas e modos de estar no mundo e viver a vida. Pessoas diferentes que, porém, têm algo em comum: o respeito pela palavra “cognata”.
Foi Hart Crane quem, de forma pungente, suplicou um dia que a sua palavra (isto é, a sua poesia) falasse a verdade. Sem o mais profundo respeito pelo rigor da língua, o poeta sabia-o bem, a verdade está para sempre perdida. Não falo de escapismo. A poesia não se destina a rasurar as atrocidades cometidas por seres humanos, como todos nós, neste preciso momento, em várias partes do globo. A poesia não é esquecimento. Como diz Mamoud Darwish, a poesia é “memory for forget-fulness”. A poesia faz as perguntas para as quais não parece nunca haver resposta. Enquanto consciência da consciência (Fernando Pessoa), a poesia fala a liberdade e a responsabilidade. Ao oferecer aqui, no original e em tradução portuguesa ou inglesa, dois poemas de cada um dos quarenta poetas do V Encontro, oriundos dos cinco continentes e de diferentes países, culturas, crenças e línguas, vimos uma vez mais propor uma reflexão profunda sobre a beleza pura e a terrível justeza da língua.
“Centros e Margens” foi o tema que presidiu ao V Encontro. Embora a distinção seja absurda em termos poéticos — a poesia coloca no centro, como explicou Seamus Heaney numa conferência memorável — em termos políticos ela é muito importante. Bastará mencionar a dificuldade que tivemos em conseguir vistos para alguns dos poetas. Nesta nossa era dita de globalização, é ironia sem sentido que o acto de convocar a poesia seja constantemente prejudicado pelas fronteiras impostas por nações, colonialismos, guerras e preconceitos. As poetas do Perú e da Tailândia tiveram de obter vistos. E sem o auxílio do Embaixador Joaquim José Ferreira da Fonseca em Ramallah, não teria sido possível trazer ao V Encontro Ghassan Zaqtan, o poeta palestiniano que é, na sua própria terra, um não-cidadão de um não-país.
A música da poesia convoca-nos sem nos deixar esquecer as condições aterradoras em que nos obrigam a viver uns com os outros. Como se ouve cantar num dos poemas da poeta angolana Ana Paula Tavares incluídos nesta antologia, a poesia traz consigo, a um tempo só, a beleza e a dor, a esperança e o desespero, o assombro e a revolta. O canto tem os pássaros certos para seguir a queda dos dias.