Descrição
As relações entre a palavra e a experiência histórica podem ser de natureza muito diferente e não existe essa coisa simples que é uma geração de poetas que começou durante a guerra mas não sobreviveu. Que relação pode haver entre a poesia de Szymborska, caracterizada precisamente pela sua ligeireza céptica, sorridente, lúdica e a história do século XX, ou de qualquer outro século? De início sim, teve muito que ver, mas na sua fase de maturidade ela foi-se afastando das imagens desse tempo linear que se precipitava para a utopia ou para uma catástrofe apocalíptica — em que este século, que agora termina, quis acreditar. A dimensão da sua poesia é pessoal, a de alguém que reflecte sobre a condição humana. É certo que tal actividade é acompanhada por uma extraordinária reticência; como se a poetisa se encontrasse de repente num palco decorado para uma velha peça de teatro, uma obra que transforma o indivíduo em nada, num número anónimo e como se, nestas circunstâncias, falar de si não fosse o mais indicado. Os poemas de Szymborska exploram situações pessoais, mas são ao mesmo tempo tão genéricos que permitem à sua autora evitar as confidências. No seu conhecido poema sobre um gato num apartamento vazio, em vez do lamento pela perda do marido de uma amiga, lemos: Morrer / isso não se faz ao gato. A reticência e a distância irónica consigo mesmo são, sem dúvida, reveladoras das tendências mais marcadas da poetisa.(…) Para mim, Szymborska é, antes de mais, uma poetisa da consciência. Isso significa que nos fala, aos seus contemporâneos, como se fosse um de nós, reservando e guardando para si assuntos pessoais e intervindo de certa distância, mas sem deixar de remeter para o que cada um sabe da sua própria vida.» Sobre Szymborska, (Nobel da Literatura de 1996), por Czeslaw Milosz