Descrição
Charles Dantzig: «Ah! Se Beckett tivesse escrito algumas palavras sobre Os Domingos de Jean Dézert, que porção de teses e colóquios a seu respeito nós veríamos!»
Dir-se-á que um deus cruel comandou as balas e as granadas da Primeira Grande Guerra Mundial (a de 1914, estendida até 18) e via com desagrado os que então se iniciavam, a mostrar talentos na literatura daquela França metida numa guerra contra os seus vizinhos alemães. Foi eficaz. Jovens escritores, com uma idade abaixo da que poderia mostrá-los no seu mais alto ponto criativo, morreram. E se há nomes, entre os escolhidos por um qualquer Marte vingativo, que hoje menos nos dizem — Ernest Psichari, Charles Péguy, Émile Clermont, Sylvain Royé, René Dalize, Louis dela Salle, Jean-Marc Bernard, Robert d’Humières, Paul Drouot, Pierre Fons, Émile Desfax, Gérard Mallet — terminaram outros a sua curta vida, deixando-nos uma obra que perdurou. […] Mas esta guerra, maléfica para os da literatura, também se encarregou de outra morte, aqui a que mais nos interessa, a de um jovem de vinte e oito anos de idade que se queria com invulgar nome — Jean de la Ville de Mirmont — e foi poeta de versos e ficcionista de textos curtos em prosa, todos os que foram reunidos neste volume.[…]
Tenho em mim grandes e insatisfeitas partidas — disse Jean dela Ville de Mirmont num verso de L’Horizon chimérique. O seu Jean Dézert partiu para o mundo, insatisfeito, numa edição que muito baixo gritava, posta a circular com discrição em 1914, nas vésperas da partida sem regresso do seu autor-soldado que se dirigia, inocente, para a explosão de uma granada alemã. Hoje, no cemitério protestante de Bordéus há um túmulo que ignora o escritor e apenas se lembra, num muito danificado epitáfio, do soldado: «Jean de la Ville de Mirmont, sargento do 57.º regimento de infantaria, nascido em Bordéus em 2 de Dezembro de 1886, morto pela França em 28 de Novembro de 1914 em Verneuil.» Túmulo abandonado, ao que se diz num cemitério particular onde os poderes públicos de Bordéus não podem intervir; e por isso num avançado estado de degradação; e com o sepultado já a preparar-se, talvez, para o destino comunitário e anónimo da vala comum.
[Aníbal Fernandes]