Descrição
Moscardino, a criança solitária de uma família agreste.
Uma arquitectura literária que mistura épocas, o ritmo ofegante da violência e da loucura.
«Moscardino (nome afectuoso, à letra qualquer coisa como pequeno mosquito) é aqui aplicado a uma criança solitária; na sua narrativa ela percorre as singularidades de uma família agreste e com gestos que fogem, na sua maior parte, ao consentido por uma lógica corrente; é um retrato de família feito por um Pea-Moscardino que pouco se integra como personagem no universo que decidiu descrever, mas que sentimos incomodado pelas contingências da sua memória e da sua imaginação, com um sincopado estilo de narrador que desliza até à literatura e deixa-a marcada pelas formas e pelos tons, sem uma grande disciplina de continuidade, da tradição oral dos contadores de histórias toscanos. Moscardino recria sobretudo a imagem do seu avô materno e de dois tios seus, o Abade e o Taciturno, de uma forma que cativou desde logo os seus leitores italianos.
A Toscânia, mais facilmente associada na literatura a histórias de gente amena e a tonalidades delicadas, era em Moscardino mostrada através de uma família cheia de asperezas, contada com os sobressaltos de uma arquitectura literária com assumida falta de linearidade, onde se misturam cenas de várias épocas, com um ritmo ofegante determinado pela violência e pela loucura. Estes condimentos literários entusiasmaram Ezra Pound ao ponto de lhe chamar «obra-prima» e ter feito o esforço de os traduzir para inglês. Cinco anos antes de este texto de Pea ser publicado, Ungaretti escreveu numa carta a Gherardo Maroni, responsável pelas edições da Libreria della Diana: «O Moscardino vai ser a mais bela obra que editarás.» E mais adiante acrescentou: «Há em Pea momentos que espantam pela densidade, pelo domínio, pela violência, pela vastidão de azul, por uma humanidade esculpida com uma palavra ainda muito húmida de orvalho; é como a erva que nasce numa bela manhã e se ri ao sol, como só Giotto e sei lá quem mais no mundo souberam fazê-lo.»»
Aníbal Fernandes