Como deixei de ser judeu

17.00 

de Shlomo Sand
Editora: KKYM
Edição: Fevereiro 2024

Descrição

«Suportando a custo que as leis israelenses me imponham a pertença a uma etnia fictícia, acatando ainda com maior dificuldade pertencer, perante o resto do mundo, como membro de um clube de eleitos, desejo demitir-me e deixar de me considerar como judeu.

Embora o Estado de Israel não esteja disposto a alterar a minha classificação de “judeu” para “israelense”, atrevo-me a esperar que gentios filojudeus, sionistas empenhados e judeófobos exaltados, sustentados, amiúde, por concepções essencialistas, respeitarão a minha vontade e deixarão de me catalogar como judeu. Na verdade, pouco me importa o que eles pensam, e menos ainda o que pensa o remanescente de idiotas judeófobos. À luz das histórias trágicas do século XX, decidi nunca mais ficar sozinho num clube de prestígio reservado ao qual outros homens não têm a possibilidade nem a vocação de se juntar».

«Ser judeu no Estado de Israel, no início do século XXI, não corresponderá àquilo que era a situação do branco no sul dos Estados Unidos dos anos 1950 ou à dos franceses na Argélia antes de 1962? Não se assemelhará o estatuto de judeu em Israel ao do Afrikaner na África do Sul, antes de 1994?»

«Pela minha recusa de ser judeu represento uma espécie em vias de extinção. Ao insistir no facto de que só o meu passado histórico foi judeu, que o meu presente quotidiano é israelense, para o melhor e para o pior, e que, por fim, o meu futuro ou o dos meus filhos, tal como em todo o caso assim desejo, será guiado por princípios universais, abertos e generosos […].

Tenho consciência de viver numa das sociedades mais racistas do mundo ocidental. O racismo é decerto omnipresente, mas em Israel depara-se com ele no espírito das leis, ensina-se nas escolas, é difundido nos meios de comunicação. Sobretudo, e isto é o mais terrível, os racistas não sabem que o são e, assim, não se sentem de forma alguma obrigados a desculpar-se. Por conseguinte, Israel tornou-se uma referência particularmente apreciada por uma maioria de movimentos de extrema-direita no mundo, outrora notoriamente antissemitas.

Viver em semelhante sociedade tornou-se-me insuportável, mas, confesso, não me é menos difícil habitar noutros lugares. Faço parte do produto cultural, linguístico e até mental do projeto sionista e não posso de tal desfazer-me. Pela minha vida quotidiana e pela minha cultura de base, sou um israelense. Não sinto orgulho nisto, como também não sinto em ser um homem de olhos castanhos e de porte médio. Tenho até, muitas vezes, vergonha de Israel, sobretudo quando contemplo a cruel colonização militar de que são vítimas os fracos, sem defesa, que não fazem parte do “povo eleito”».

S. Sand (n. 1946) é historiador e Professor Emérito de Universidade de Telavive, onde leccionou História Contemporânea. Filho de pais polacos, de cultura iídiche e sobreviventes do Holocausto, nasceu e passou os dois primeiros anos de vida num «campo para pessoas deslocadas», antes da família emigrar para Israel.
Doutorou-se em 1982 pela École deus hautes études en sciences sociales, em Paris. A sua investigação tem incidido sobre a história cultural moderna, o movimento sionista e a construção de Israel. Com tradução em mais de 30 países, Como o Povo Judeu foi Inventado (2008), Como a Terra de Israel foi Inventada (KKYM+P-OR.K, 2022) propiciam-lhe projeção mundial. É ainda autor de Le XXe siècle à l’écrain (2002), dedicado ao cinema.
Shalom Sand encara Israel como fait accompli, mas, como expõe neste ensaio, reclama a transformação do Estado judaico num Estado de todos os seus cidadãos, independentemente de etnias ou religiões.