Descrição
Embora eu não seja louco, pelo menos à vista, quis olhar para a vida dos loucos. E os serviços públicos franceses não ficaram satisfeitos. Disseram-me: «A lei de 38, segredo profissional, o senhor não vai olhar para a vida dos loucos.» Fui ter com ministros, e os ministros não quiseram ajudar-me. Um, no entanto, teve esta ideia: «Alguma coisa farei por si se alguma coisa fizer por mim: submeter à censura os seus artigos.» Pus-me longe dele, e ainda lá ando.
Fui ter com o prefeito do Sena. É um homem muito amável: «Graças a mim», diz ele, «visitará as cozinhas e a despensa.»
Como receei que também me levasse a ver as telhas da cobertura, fui-me embora.
Voltei-me para os médicos dos asilos.
Fulminaram-me:
— Acha que os nossos doentes são animais exóticos? — diz-me um deles.
Tinha-me tomado por um domador. E para isso ele bastava.
Convenci-me então de que seria mais cómodo apresentar-me como louco do que apresentar-me como jornalista. «Vou à enfermaria especial das prisões da Polícia», digo de mim para mim, «e não tenho dúvidas de que me internam lá!»
CRÍTICAS
«Albert Londres (1884-1932) era o jornalista intrépido, o jornalista «literário», aquele que fizera a França embaraçar-se com a sua Guiana, o seu Biribi, os seus asilos psiquiátricos. Vinte anos depois, o jornal anarquista Libertaire soube defini-lo com esta evidência: «Na sua carreira não isenta de quixotismo procurar-se-ia em vão uma reverência ao dinheiro, uma deferência para com os que governam ou financiam, a docilidade perante as ordens e as recomendações, a aceitação dos factos consumados e dos poderes estabelecidos, a fuga perante as responsabilidades.»
Aníbal Fernandes
CRÍTICAS DE IMPRENSA
«Humor negro. Escrita de cadência exacta. Remates imprevisíveis. Curiosidade à prova de temas difíceis e grandes distâncias. Empatia. Resultado, um ícone inimitável […] Lê-se “Com os Loucos” e vão caindo por terra todas as supostas leis (invioláveis e maçadoras) do jornalismo de reportagem. Londres parece errático. Londres troca o realismo pela notação impressionista. Londres toma partido. Londres prefere a verdade à objectividade. Londres não conta histórias (cliché que servirá à exaustão de alibi à mediocridade e à falta de assunto), Londres vê. E o talento que é preciso para ver!»
Ana Cristina Leonardo, Expresso