Sentada num café de portas e mesas de madeira, um pequeno candeeiro sobre a cabeça, iluminando o trabalho e os quadros com fotografias que acompanham o lado de cada mesa. Como numa pequena ilha de intimidade, criada pelo cheiro a café e pelo ambiente relaxado, este novo espaço no Eixample Esquerdo permite ver Barcelona a passar lá fora.
Os jovens de 20’s e 30’s que passam e entram, computadores e telefones nas mãos, línguas de todo o mundo, lenços à volta do pescoço, sorriso de juventude.
E todos os outros que, passando diante, nem pensarão em parar ou entrar: as avós do bairro, costas curvadas e braço dado com jovens sul-americanas que lhes servem de apoio aos dias; pais catalães com bebés loiros chamados “Ona” ou “Pau” vestidos de cores e de conforto; pais sul-americanos com bebés de cara redonda e olhos repuxadinhos, a quem chamam “mi niño” e “mi niña”; muitas Vespas de cores modernas, que empurram suavemente e com estilo, gente jovem para o trabalho.
É a Barcelona-cidade a acordar numa segunda feira vista de um bairro onde se vive o quotidiano sem lembrar os turistas das Ramblas, da Sagrada Família ou do Parc Güell.
Uma Barcelona que tem senhores a entregarem botijas de gás empilhadas umas nas outras, num carrinho de mão que se transporta fácil e que chama a atenção batendo com algo metálico na botija mais à mão. “Clac clac clac clac” e já se sabe que as botijas vão a passar, prontas a subirem a algum dos edifícios modernistas, de janelas altas, portadas pintadas e varandas de ferro forjado, de linhas retas.
Pedaços de Catalunha espalhados pelos cafés de esquina, nas esquinas recortadas para que a luz entre sempre mais, neste Eixample geometricamente desenhado. Cafés onde o pão com tomate se vende como tapa mais comum e onde as batatas bravas acompanham as cañas que se tomam a qualquer hora.
Barcelona continua a passar plural lá fora, enquanto neste café o oásis de gente-parecida se protege do Outono que hoje se chegou mais.
Continuam a passar as vizinhas que foram à frutaria, de carrinho de compras cheio até cima e passos sem pressa, que ainda são 12:30 e o almoço faz-se mais tarde; passam as pessoas muito tatuadas e roupas apertadas, que se riem alto e se abraçam quando se encontram; e até passa o AeroBus que transporta de e para o aeroporto quem cá veio espreitar a cidade, ou vê-la desde dentro, agarrá-la em fotos ou vivências e voltar às vidas a quilómetros de distância.
Enquanto Barcelona desfila lá fora, as mesas de madeira do café continuam a apoiar conversas em voz baixa, folhas de apontamentos solitários, cadernos de desenhos, computadores que albergam palavras. Palavras como estas, que descrevem com letras o que os olhos veem com cores.
E Barcelona passa lá fora numa segunda-feira de Outono espreitada desde um café quente.
Edite Amorim