Descrição
«Em 1925, George Bernard Shaw ganhou o Prémio Nobel da Literatura, o que ainda mais relevo conferiu à sua obra reformista, corajosamente defensora da revolução soviética numa Inglaterra democrática e com forte solidez monárquica, incansável argumentadora dos malefícios da ordem capitalista.
A sua sátira, que já tinha escolhido por duas vezes a perversão das religiões cristãs — em 1897 com a peça The Devil’s Disciple, em 1909 com a peça The Shewing-up of Blanco Posnet— em 1932 acrescentou-se na mesma onda com um regresso à novela — chamemos-lhe assim — As Aventuras de uma Negrinha à Procura de Deus (com o texto revisto em 1946), uma forma literária híbrida e, ao que parece, constantemente arrependida de ser uma prosa ficcionada e não ter um palco onde pudesse mostrar a sua despida jovem negra à procura de um Deus na selva da União Sul Africana; comandada neste inquérito por uma inspiração que muito deve ao Candide de Voltaire (e até sucede — nesta filiação que não quer de forma alguma esconder-se — que o principal protagonista conclui nos dois textos que para ele melhor será limitar-se a cultivar o seu jardim.)
O Prémio Nobel da Literatura, o grande prestígio britânico, dava agora pretexto a uma ampliada indignação dos religiosamente feridos perante este tom agnóstico que espalhava o seu zumbido sobre as versões de Deus coleccionadas nas páginas da Bíblia e do Corão, sobre o ateísmo de intelectuais que as consideravam ultrapassadas por inquestionáveis certezas da Ciência. E a incomodidade desta negrinha ainda era maior por se atrever a um casamento inter-racial num cenário que indiscutivelmente sugere o da União Sul Africana (feroz no seu apartheid ) — provocação aos olhares democráticos e só teoricamente anti-racistas dos Ingleses.
[…]
Esta novela voltaireana, escrita com oitenta e dois anos de idade, é o último e já desgarrado grande êxito de George Bernard Shaw, nessa época mais preocupado em organizar os definitivos dezasseis volumes da sua obra escrita, em surgir fotograficamente nos jornais sob os traços de uma velhice por todos admirada na sua lucidez, e a todos comunicada que era um milagre vegetariano.»
– Aníbal Fernandes