Descrição
Primeiro a conquista do poder, depois a sua continuidade e manutenção, constituem os factores determinantes da acção no que concerne ao rei Henrique IV, para quem o confronto político não é um confronto de ideias ou princípios morais, mas é um confronto de estratégias de manipulação da imagem pública dos agentes políticos. Mas haverá em Henrique IV valores humanos autênticos, ocultos sob o jogo de aparências e falsidades que constitui a sua existência política? Haverá humanidade por sob a capa da estratégia do poder? Parece que sim, mas não é fácil descortinar o relacionamento entre estas dimensões do humano representadas na figura do rei. É assim com Shakespeare: ele levanta-nos uma ponta do véu que recobre a natureza humana, e o que nos mostra não é simples. As personagens de Shakespeare nunca são confináveis a qualquer esquematismo, histórico ou outro, nem se esgotam nos limites da ideologia, e é por isso que nos interessam como construções artísticas. Em Henrique IV (Parte I) a personagem mais presa às simplificações da história é precisamente o rei, embora mesmo este se revele suficientemente problemático para suscitar o nosso interesse. Mas é nas restantes personagens principais que Shakespeare mais completamente opera a transmutação do material histórico em matéria artística: a matéria da epopeia, da tragédia e da comédia.