Descrição
Nesta peça, uma das primeiras comédias de Shakespeare, se revela já o talento do escritor e o sentido de oportunidade do dramaturgo nesse contexto histórico e cultural verdadeiramente singular que é o do teatro comercial e popular isabelino. A sugestão italiana, ostensiva nos ambientes e figuras representados ou em convenções estéticas e processos de composição, alia-se harmoniosamente à vivacidade da farsa, à fecundidade da tradição popular e aos gestos livres da herança dramática medieval. De resto, por detrás da cidade italiana do Renascimento, de patrícios respeitáveis ou gananciosos burgueses em arrojada competição, de criados ardilosos, recuperados da comédia greco-latina, e de mulheres destinadas ao mercantilismo das alianças matrimoniais, ferve a pujante Londres urbana e capitalista da última década do século XVI.
Mas afinal a referência temática que estrutura a acção é a do estatuto da mulher no sistema social e moral do patriarcado. Cristóvão Finório, o latoeiro e vagabundo, rei por um dia, é presenteado com uma representação em que Catarina, a fera insubmissa, é amansada pela astúcia e persistência de Petrúquio, o domador que triunfalmente a irá reconduzir à ortodoxia da mulher obediente e exemplar. Uma airosa celebração do poder transfigurador da palavra e das virtudes do teatro? Uma perigosa incursão nos limites do cómico e nas fantasias do poder masculino?