É a escritora do deserto, a mulher-revolução para quem a escrita era o destino e o único verdadeiro consolo. Isabelle Eberhardt nasceu na Suiça em 1877, descendente de russos que se fixaram na região de Genebra. Ela e a sua mãe, sedentas de uma liberdade que não encontravam na Europa, mudaram-se para Argel, terra que sentiram logo como sua. Aqui Isabelle viveu uma vida aventurosa, usando muitas vezes o vestuário de um beduíno, o que lhe permitia ter uma liberdade de movimentos só acessível aos homens. Mudou de nome, aprendeu árabe e converteu-se ao islamismo. No deserto foi-se tornando num ser livre, vivendo-o de forma apaixonada, entregando-se ao amor, ao contacto com a natureza, a tudo o que a atraía. Os seus contos publicados em Portugal pela Sistema Solar – “Histórias da Areia” – são um espelho desta forma de vida, uma belíssima homenagem ao deserto onde ela pôde “ser”, cantando as suas cores, as suas luzes, as suas pessoas, a sua solidão, o seu fogo.
“Não sou política nem agente de nenhum partido, pois acho que todos de igual forma se enganam. Sou apenas uma extravagante, uma sonhadora com o desejo de viver longe do mundo, de viver uma vida livre e nómada para contar o que vê e à frente do triste esplendor do Sara conhecer, talvez, o melancólico e enfeitiçado estremecimento.” Escreveu Isabelle num diário.
Na apresentação do livro Aníbal Fernandes escreveu: «As mulheres de Isabelle Eberhardt sofrem com um desejo de liberdade no amor que a cultura islâmica proíbe, vivem amores nómadas dramáticos quando não transcendidos pela fé; os seus homens europeus sofrem o feitiço oculto no infinito das dunas e na solidão reveladora do “outro”, místico e esotérico, transcendido com o esplendor magnífico dos elementos, vivem embriagados por um amor que opõe o Oriente e o Ocidente, e por ambos reprovado. Muitos traços destas personagens masculinas e femininas podem ser-lhe atribuídos, podem ser consideradas habitantes dos painéis de uma fragmentada e romanceada autobiografia raras vezes decidida a assumir-se com um explícito “eu”. Isabelle Eberhardt, com uma prosa generosamente adjectivada que o calor do seu olhar exige, apaixonada por ruídos, cheiros, cores, sabores, ainda assim não deixa de fazer pesar nesta festa e nesta imemorial beleza uma presença de morte. Da morte que nunca a assustou, a benfazeja, a que inspira aos muçulmanos esta saudação: “Faça-te Deus morrer jovem.” Ela própria reconhece-o nesta frase: “A morte sempre me surgiu com a forma atraente da sua imensa melancolia.” […]“Bebia de mais”, diz Robert Randau. “Era a única coisa que contrastava com a sua profunda aceitação da fé muçulmana. Sim, tinha a religiosidade intensa dos místicos e dos mártires. Vivia como um homem, como um rapaz, porque bem mais parecia rapaz do que rapariga. Mas era, com o seu ar de hermafrodita, apaixonada e sensual embora diferente de uma mulher. Ainda por cima com o peito completamente plano. Tinha pequenas vaidades, embora bem mais fossem as de um árabe elegante. Trazia as belas mãos sempre enfeitadas com henna, a roupa sempre imaculada, e quando tinha dinheiro punha desses perfumes muito intensos que os árabes adoram.”»
Não percam a leitura deste maravilhoso livro: http://www.flaneur.pt/produto/historias-da-areia/