Publicado em

Joan Margarit

Nascido em 1938, em plena Guerra Civil, em Sanaüja, uma aldeia na província de Lleida, Joan Margarit incorporou esse conflito na sua obra, que iniciou no final da década de 1950, então ainda em castelhano. Casa da Misericórdia é um exemplo marcante, com as suas referências às crianças orfãs, acolhidas pela instituição de que o livro toma o nome, aos abrigos, as fugas. Morte, separação, velhice, solidão, temas inelutáveis, a que a sua poesia não se furta.

Misteriosamente Feliz, de Joan Margarit

Elegia da Alvorada

É um poeta cinzento de um país cinzento

numa cidade cinzenta com um grande porto.

E tu procuras-te nele para raconheceres

a angústia e a névoa dos teus olhos.

Permanece na penumbra, como o rapaz

que outrora olhava a chuva atrás dos vidros:

é um poeta cinzento de um país cinzento,

ao amanhecer, numa cidade cinzenta

com um grande porto junto a um mar de Inverno.

 

O corpo cai no futuro

como um pássaro num poço.

É um poeta cinzento de um país cinzento,

já surdo para o futuro,

o futuro a que pertence este poema.

Com cores de roupa negra destingida

principia a aurora: na calçada

o vento acumulou as folhas secas,

até que, de súbito, co fúria,

as levanta como uma debandada de pássaros.

O rapaz de há muitos anos

vê surgir o sol atrás dos vidros:

é já um poeta cinzento de um país cinzento

numa cidade cinzenta com um grande porto.

 

Poema Para Um Friso

Era um desenho num papel tão fino

que o levou o vento. Da janela

mais alta até tão longe, ruas, o mar:

o tempo que não recuperarei.

Procurei-o nas praias, no Inverno,

quando mais se lamenta um desenho perdido.

Segui os caminhos de todos os ventos.

Era o desenho a lápis de uma rapariga.

Meu Deus, como o procurei.

 

Organização de Miguel Filipe Mochila

 

Publicado em

Blas de Otero

Blas de Otero Muñoz (Bilbao, 15 de março de 1916 – Majadahonda(Madrid), 29 de junho de 1979) foi um poeta originário do País Basco, tendo, porém, escrito em língua castelhana, considerado um dos principais representantes da poesía social dos anos cinquenta em toda a Espanha.

Anjo Ferozmente Humano, de Blas de Otero

Ar Livre

Se há alguma coisa de que gosto, é viver.
Ver o meu corpo nas ruas,
falar contigo como um camarada,
olhar os escaparatesAnjo-Ferozmente-Humano
e, sobretudo, sorrir de longe
às árvores…

Também gosto dos camiões cinzentos
e muitíssimo mais dos elefantes.
Beijar os teus seios,
deitar-me no teu regaço e despentear-te,
engolir água do mar como cerveja
amarga, escumante.

Tudo o que seja sair
De casa, espirrar de tarde em tarde,
cuspir contra o céu das tundras
e as medalhas dos semelhantes,
sair
deste espaçoso e triste cárcere,
apressar os rios e os sóis,
sair, para o lar livre sair, para o ar.

Tradução: Miguel Filipe Mochila
Edição: Língua Mota

Parece Que Chove

Agora sim está a chover em Bilbao,
é sete de Agosto e chove como na minha infância,
delicadamente
e insistentemente, chove e o ar enche-se de eees,
de leves letras frágeis, indecisas
como aquela manhã dos teus treze anos em Barambio
quando não te atreveste a dizer a Charito que a amavas,
mas chove
e aquilo e tantas outras vicissitudes que foram caindo
sobre a tua vida como uma mansa chuva já não têm remédio,
nem deus o remedeia tal como naquela manhã em que não
chegate a decidir-te em Herrera de Pisuerga junto aos seus
seios tão frescos, chove veladamente, admiravelmente,
um pouco transversalmente,
ah esta Bilbao maçadora em que se não fosse estar a chover
nos afogaríamos todos de tédio,
fumo e beatice, mas chove contra as torres da
quinta paróquia,
e que havemos de fazer se chove
insistentemente
e, deves dizê-lo, delicadamente.

Tradução: Miguel Filipe Mochila
Edição: Língua Morta